Críticas

Cinequanon | Focus Cia. de Dança (CCSP Semanas de Dança)

Com excesso de referências anunciadas, Cinequanon da Focus Companhia de Dança procura um lugar, entre um acúmulo de possibilidades não-realizadas. Parte da programação do CCSP Semanas de Dança 2017, a coreografia de Alex Neoral é criticada no Da Quarta Parede.

Concebida como uma homenagem à sétima arte, “Cinequanon” de Alex Neoral para a Focus Cia de Dança diz partir de 80 referências cinematográficas para compor um espetáculo. Para além do desafio de reconhecer essas referências, o real desafio da concepção da obra está em construir, em 75 minutos e uma dúzia de cenas, essas 80 referências. Se anunciassem 20 referências, ainda permaneceria uma dúvida sincera da presença delas todas na obra, 80, é um exagero de proporções hollywoodianas, que força um jogo dos 7 erros — 80 no caso — em que ficamos procurando na obra, e poucas vezes encontrando, esse número imenso de referências.

Essa difícil percepção não passou despercebida pela própria companhia, que oferece alguns paliativos nos textos de seus programas, defendendo que as referências por vezes sejam mais claras, e em outras sejam apenas atmosferas. Sairiam-se melhor se apontassem aquilo que a obra realmente dá a ver do cinema, com certos usos de recursos cinematográficos claros, que colocam o espectador num ambiente de consciência da tentativa de alusão cinematográfica. Porém, mesmo que fosse o caso, para além da consciência, resta a questão da qualidade da realização desses recursos.

Em seu início, a obra usa uma tela sobre a qual é projetada aquele aspecto de falha do cinema de rolo, e atrás da qual o elenco dança. Nessa mesma tela, depois de uma sequência inicial, são projetados créditos de abertura, como em um filme, e também veremos, dentro dessa estrutura, uma projeção de créditos finais (incluindo a lista dos “80 filmes” aos quais a obra diz fazer alusão). Tudo isso serve para imprimir em “Cinequanon” uma impressão de ser assistida em uma plataforma que mistura a experiência na platéia de um teatro com a experiência na platéia de um cinema. O trânsito entre essas duas áreas distintas também é reafirmado pelo uso insistente dos corredores da sala para passagem e movimentação dos bailarinos. A impressão é que a obra quer nos fazer sentir que o filme sai da bidimensionalidade da projeção e invade o espaço do público. E, em certo grau, isso acontece.

Talvez, aquilo que realmente mais aproxima a coreografia do cinema seja um sistema de organização que emula a edição de video — por exemplo em uma cena em que os bailarinos, usando diversas entradas e saídas, parecem realizar uma corrida contínua, como se fosse captada em múltiplas tomadas sequenciais — e de estruturas de montagem — como num momento com o uso de sobreposição da coreografia por imagens projetadas.

Tratando especificamente da coreografia de Neoral, a obra investe numa movimentação macro, repleta de pernões, e brações, alongados e estendidos, em kinesferas ampliadas, e se espalhando pelo espaço da cena. Também são observadas sustentações em apoios variados — no peito, nos pés, nas pernas, no pescoço, na bacia — que fazem o elemento mais interessante da proposta.

A grande dificuldade em “Cinequanon” é uma desmesura entre o sério e o cômico, por exemplo em uma cena em que os bailarinos com perucas gritam pelo meio da plateia, e causam mais riso, incômodo e confusão, do que medo e nervoso. Confusão também acontece numa cena que realiza um desfile de personagens, com os bailarinos começando nus, contornando a plateia pelos corredores e reaparecendo a cada vez com uma peça a mais de roupa, em diversos graus de vestimenta. Mais tarde, eles cantarão o verso de “please don’t let me be misunderstood” enquanto se despem novamente, então usando as múltiplas peças e acessórios acumulados para criar mash-ups de personagens sem muito propósito e sem muito resultado — o que faz um bom resumo da obra.

No que começa com um tom sério, para o qual há um retorno insistente, nas sequências longas e repetitivas que compõem a obra, acaba se sobressaindo algo que é cômico, mas que não é inteligente, por não ser eficiente. E essa mistura toda dá a impressão de que a obra não sabe ao certo o que quer ser: homenagem, referência, inspiração, adaptação, séria, cômica, dramática, lenta, agitada… Falta, como seria num filme, uma direção que encaminhe o projeto.

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