Críticas

Colcha de Retalhos | Corpo de Baile de Caraguatatuba (CCSP Semanas de Dança)

O Corpo de Baile de Caraguatatuba continua em cartaz no Semanas de Dança do Centro Cultural São Paulo, com Colcha de Retalhos, que recebeu o Prêmio Governador do Estado 2016 e demonstra a força da interpretação desse elenco que, espera-se volte logo para os palcos da capital.

Dirigido por Cristina Neves, o Corpo de Baile de Caraguatatuba, apesar de seus 16 anos de atividade, é absolutamente jovem — no melhor sentido da palavra. Carregado de intencionalidade e vontade de fazer arte ímpares, o grupo, reconhecido com o Prêmio Governador do Estado de 2016 na categoria Voto Popular, se apresentou dentro da programação do CCSP Semanas de Dança 2017. O espetáculo dessa apresentação, Colcha de Retalhos, também foi fruto do trabalho do grupo dentro do programa Qualificação em Dança.

Testemunham assim um desejo de fazer — continuamente — e de fazer bem dança. Colcha de Retalhos foi precedido por um prólogo da próxima estreia da companhia, Colheita, formato incrivelmente interessante, que lembra os trailers do cinema, e que muito raramente vemos pelos palcos daqui. O prólogo não se liga com a obra da noite, mas funciona. Desperta a curiosidade, o desejo de assistir a essa criação e de que ela venha para os palcos da capital.

No conjunto, tanto a prévia como a obra completa apresentadas se traduzem em dedicação e maturidade artística dos intérpretes, revelando também o sucesso do trabalho dentro do Programa de Qualificação. Com um elenco entregue, ainda que curiosamente mais à vontade no prólogo de Colheita do que na obra já pronta — talvez a juventude seja ávida pela novidade — encontramos em Colcha de Retalhos algo entre o esquizofrênico e o surtado, numa obra revestida dos chavões da dança contemporânea, que se repetem em sequências de pernas altas, braços esticados, giros, quedas, rolamentos e uso de texto falado, que parecem descoladas dos sentidos (e eles são muitos) atribuídos a essa obra em seu programa.

O suprassensível, o inteligível, a referência a Platão e Schopenhauer também são chavões da dança de pesquisa e o mais interessante, nesse caso, é passar batido por todos eles, como se não estivessem ali, e se fixar naquilo que essa companhia traz de melhor: o trabalho com seus intérpretes, que nos faz questionar quem são essas pessoas, de onde vêm, e por que ainda não a vemos mais frequentemente aqui na capital.

Não há nada de especialmente original na obra, e o grande trabalho, e o grande sucesso que o Corpo de Baile de Caraguatatuba carrega está no investimento da matéria viva da dança nos corpos dos intérpretes. Destaque para um solo feminino, realizado dentro de uma projeção que lembra árvores, galhos ou raízes e que, ainda que não tenha nenhum traço claro do que se deseja discutir ou apresentar, carrega a inegável potência de uma grande intérprete.

A trilha sonora é brutalmente recortada, a iluminação é excessiva, e antes, durante, e depois do espetáculo, a questão de que Colcha de Retalhos é essa permanece intacta, como se não tivesse sido abordada pela obra. Também há uma necessidade — amadora, e que se espera que essa companhia abandone — de dar destaque a todos os intérpretes do elenco. Pelo viés coreográfico, a pesquisa feita pelos próprios intérpretes talvez seja parte da resposta para o caráter previsível da movimentação, mas isso pode ser consertado facilmente com o contato — que esse grupo merece e espera-se tenha a oportunidade de estabelecer — com outros criadores.

Parece, então, haver elementos negativos nessa vista da obra, mas é preciso esclarecer: estes não são nada perto do tamanho da qualidade e do potencial do grupo. O investimento na formação de intérpretes, sublinhado inclusive na indicação do Prêmio Governador do Estado, é o trunfo dessa companhia: jovem — absolutamente jovem, como já mencionado — mas de uma maturidade cênica impressionante. A impressão que traspassa do elenco é a de devoção — devoção à dança e gosto pela dança, que às vezes escapa mesmo em elencos e intérpretes de carreiras bem maiores, que vez ou outra parecem mais preocupados com o direito de serem artistas do que com a arte que fazem.

Aqui, acima de tudo, gosto pela dança, resultando em dança bem feita, e numa aposta, que se espera que o Corpo de Baile de Caraguatatuba tenha a oportunidade de desenvolver por muito mais tempo, com muitos outros colaboradores, e, para o benefício do público, circulando muito.

 

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