Críticas

Pulcinella | São Paulo Companhia de Dança

Parcerias com a lírica revelam possíveis estratégias para novos tempos. A dança se recoloca e mostra sua potência, bem como suas formas de diálogo, no “Pulcinella” da São Paulo Companhia de Dança com a Orquestra do Theatro São Pedro, criticado no Da Quarta Parede.

Buscando um novo lugar para suas produções, a São Paulo Companhia de Dança encontra em “Pulcinella”, realizada em parceria com a Orquestra do Theatro São Pedro, um bom encaixe para o trabalho de Giovanni Di Palma. Até agora falhando em impressionar em suas criações para a companhia, nessa coreografia Di Palma acerta a medida e, com um tanto de recursos que provavelmente não estariam disponíveis à SPCD se essa obra fosse realizada apenas pela companhia, encontramos um todo interessante, que cativa e impacta, sobretudo visualmente.

A ligação com a ópera e seus modos é grande. Não só pela questão do formato — que remete a uma estrutura antiga (e felizmente superada) de se apresentarem balés como preâmbulos ou entre-atos de óperas —, mas também pela estratégia de vermos em cena um libreto legendando a ação coreográfica. Com esse auxílio, a dança não fica tão dependente de contar sua história e abre-se um espaço — seja isso visto positiva ou negativamente — para que o enredo permaneça na narrativa verbal, enquanto a dança se volta ao movimento, usando apenas de um mínimo de pantomima.

Esse tipo de parcerias é uma estratégia para novos tempos. Só este ano, vimos propostas semelhantes realizadas também pelo Balé da Cidade de São Paulo e pela Cisne Negro Companhia de Dança, em que a dança se apoia na música para encontrar novos palcos e ocasiões de apresentação. Mesmo anteriormente, de fato desde sua formação, a SPCD já fazia isso, numa época em que diversas eram as ocasiões de vermos a companhia em cena com a OSESP, tanto em palcos como o da Virada Cultural, como dentro da Sala São Paulo — sempre um lugar agradável, ainda que péssimo para se ver dança, pela disposição da plateia em relação ao palco.

Naturalmente, nessas relações há certos desequilíbrios. Com os cantores em cena junto dos bailarinos notamos claros problemas da direção geral, que parece não achar uma medida para ambas as presenças no palco, o que resulta num efeito de colagem, como se fossem realizações distintas, feitas a múltiplas mãos. Por outro lado, essa compreensão de uma obra despretensiosa tem suas vantagens. Por exemplo, o movimento — que faz referência ao clássico, mas reformulado, sobretudo num notável uso dos pescoços e dos pés para frente — consegue trabalhar, também a partir do tom cômico da obra de origem — que tem seus personagens tipificados, como na Commedia Del’Arte —, com algo menos elevado, potencialmente numa negação do danseur noble e em favor do uso de uma dança caráter.

Ai, abre-se o espaço para dois dos bailarinos da companhia — Diego de Paula e Yoshi Suzuki — mostrarem, não só o potencial técnico e interpretativo, mas, sobretudo, seu sincronismo: o que se vê muito útil, porque a obra inclui uma premissa de um indivíduo se fazendo passar por outro. Essas qualidades não são uma novidade dos bailarinos, mas aqui elas encontram um lugar que não parece forçado, como em diversas das outras coreografias de extração clássica do repertório da SPCD.

Cenário, figurino e iluminação são um gosto à parte. Vêm em associação — ou talvez emprestados — da ópera “Arlecchino” que segue “Pulcinella” nesse programa, até literalmente: vemos roupas repetidas e parte do cenário é mantida, mas, novamente, poderíamos apontar o efeito como uma estratégia de parcerias. E esta é uma estratégia que funciona, porque dá um espaço e uma possibilidade de grande realização — desde que bem programada, bem dosada, e bem casada.

O que é fundamental aqui não é puramente a associação à Orquestra do Theatro São Pedro, mas a proposta dessas duas obras e a possibilidade de conversa entre elas. Enquanto as propostas forem parcerias que façam sentido, haverá espaço de bom desenvolvimento. O risco, a evitar, é que se transformem em empréstimos, em compensações, em acordos, em concessões (como, por exemplo, parece ser a presença dos cantores em cena, que não adicionam em nada ao balé) — o que incorreria em colocar a dança a serviço da música, ou a música a serviço da dança. Num momento de afirmar a relevância da dança no cenário cultural de São Paulo, o fundamental é que sua potência se revele, mesmo quando em parceria, mas não como dependente. E, felizmente, no geral, esse é o caso do “Pulcinella”.

 

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