Críticas

I New Then / Sad Case / Cacti | Nederlands Dans Theater 2

Celeiro de talentos, a companhia jovem do Nederlands Dans Theater, o NDT2, passou pela Temporada de Dança do Teatro Alfa e continua pelo Brasil mostrando trabalhos de seu repertório no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. O programa triplo apresentado em São Paulo é criticado no Da Quarta Parede.

A última passagem da renomada NDT, Nederlands Dans Theater, pelo Brasil trouxe, em 2012, a companhia 1 do grupo para a temporada Dell’Arte, que passou pelo Theatro Municipal de São Paulo e do Rio de Janeiro. 5 anos depois, re-encontramos os diretores Paul Lightfoot e Sol León agora nos trazendo o NDT2, grupo jovem da companhia, para a Temporada de Dança do Teatro Alfa.

O NDT2 é um celeiro de talentos. Sua função é nutrir e preparar bailarinos para o NDT1, companhia principal do grupo. Por ambas passaram os diretores atuais, antes de se tornarem coreógrafos residentes e, em 2011, assumirem a direção. Na última temporada em São Paulo, vimos aqui apenas obras da dupla, que coreografa em conjunto. Dessa vez, eles vêm ladeados de outros coreógrafos com histórias de proximidade com as companhias do NDT, Johan Inger e Alexander Ekman.

O programa de São Paulo, que será repetido integralmente em Belo Horizonte e parcialmente no Rio de Janeiro, abre com “I New Then”, que Inger coreografou para o NDT2 em 2012. Leve e cômico — características de tradição do NDT, são mantidas nessa obra, que se apoia em canções de Van Morrison quase que ilustrativamente: grande parte da coreografia parece ilustrativa das letras das músicas de sua trilha sonora.

O efeito criado é o de comédia física, com os corpos dos bailarinos sendo usados teatralmente para os retratos em movimento, que provocam — sim — o riso, mas às vezes desbancam para o histérico, sobretudo num momento em que dois bailarinos se despem enquanto são observados por um terceiro, que faz caras e bocas e dramas e exageros, com não se sabe exatamente que objetivo.

Talvez, entender a proposta da obra demandasse uma atenção maior às letras — nem sempre fáceis — da trilha sonora. Há instantes óbvios, por exemplo os repetidos versos “that’s when you fall” the Madame George são ilustrados com quedas repetidas e sistemáticas. A dificuldade é concatenar o prestar atenção aos corpos — notáveis, exuberantes, técnicos — e, ao mesmo tempo, às letras — que por vezes nos escapam e, quando retratadas em movimentos menos miméticos e mais abstratos, acabam passando despercebidas.

Especialmente boa é a cena final da obra, ao som de Crazy Love, que coloca focos frontais na beira do palco com os bailarinos correndo das coxias para os espaços iluminados, neles dançando sozinhos ou em agrupamentos, e deles voltando para o escuro, em um movimento de ida e vinda que ilustra esse sentimento de um amor jovem, confuso, leve e insistente, marcado pela imagem final da obra, com uma última bailarina correndo para o escuro e encontrando um outro, que corre junto dela, já numa penumbra que traz para a peça um final brusco, mas ao mesmo tempo suave.

Em oposição, não há suavidade nenhuma em “Sad Case”, obra de León e Lightfoot, criada em 1998 e carregando todas as marcas daquele momento do NDT, incluindo notáveis referências às estruturas cênicas e às formas de movimentação do então diretor da companhia, Jiří Kylián. Também cômico, também beirando a histeria, aqui encontramos movimentos expansivos, desconjuntados nas articulações do corpo, que forçam dobras e torções nos bailarinos em direções inesperadas.

A obra é acompanhada por uma sequência de mambos mexicanos, e mostra os bailarinos retorcidos e fazendo caretas. A emotividade da criação é atribuída ao momento da vida da coreógrafa, que estava no estágio final de sua gravidez durante a composição, que usa da força das reações hormonais de seu corpo para criar esse espaço de intensidade e incerteza que domina “Sad Case”, que, contrário ao nome, não tem nada de triste.

O programa se encerra com “Cacti”, de Alexander Ekman, já conhecida por aqui porque faz parte do repertório do Balé da Cidade de São Paulo, sendo dançada regularmente pela companhia brasileira desde 2014. A criação original foi para o NDT2, em 2010, e há um interesse especial em ver uma obra à qual já estamos afeiçoados e acostumados realizada em sua companhia de criação.

Dada a característica da cada companhia, não é surpresa que haja uma qualidade notavelmente diferente na realização que o NDT faz da obra, um pouco mais leve, um pouco mais despreocupada. Reflexão importante, porque “Cacti” é, em si, uma sátira sobre a percepção excessivamente séria, quase pedante, da dança contemporânea, explorada — mais uma vez — com um tom de cômico que se mescla, na versão brasileira, à seriedade constante da interpretação, e que aqui parece mais em tom de brincadeira.

O resultado dessa mudança, sutil, de interpretação é grande. A interpretação séria reforça um caráter irônico: os bailarinos estão inteiramente imersos nesse universo que a obra critica, e quem liga os pontos do comentário é a plateia. Na extremidade oposta, a interpretação mais brincalhona reforça um caráter satírico: a realidade criticada parece alvo de comentário pela própria execução da coreografia. Qual das versões é a melhor, fica a gosto de quem assiste. Mas observe-se que em questões de técnica o elenco do BCSP não fica devendo absolutamente nada.

Em ambas as versões, a obra permanece interessante, atual, relevante, instigante, e recebe a melhor recepção do público, independente daquilo que a acompanha. Questão importante essa de como as obras se acompanham, com certos efeitos nessa temporada do NDT2. Não há nada de errado nas coreografias escolhidas para o programa. Mas, são elas o melhor que a companhia tem a oferecer? “Cacti” à parte, provavelmente não são.

O próprio programa nos lembra de como os coreógrafos programados são reconhecidos e premiados. Mas as obras trazidas não são aquelas que receberam prêmios. Inclusive, fica no ar a questão de porque não estamos vendo, por exemplo, a obra mais recente de Inger para o NDT2, que recebeu ano passado um Benois de la Danse. Ou então uma obra um pouco menos antiquada da dupla León-Lightfoot.

Não que aquelas que foram escolhidas não agradem, mas, dada a raridade do nosso contato com a companhia, paira a dúvida sobre as escolhas apresentadas. Sobretudo se comparadas ao programa anteriormente apresentado em São Paulo, que, ainda que não fosse necessariamente um “o melhor de”, trouxe mega produções, de impacto inegável. Mas, então, tratava-se do NDT1, o lugar que, por definição, a companhia a que agora assistimos, o NDT2, almeja chegar.

 

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