Críticas

Planta do Pé | Maria Eugênia Almeida (Bienal de Dança do Ceará)

É uma sequência de cenas curtas que embala “Planta do Pé”, de Maria Eugênia Almeida. Explorando tanto o sentido literal, quanto à referência a raízes, a bailarina nos apresenta não exatamente uma pesquisa, mas um resultado: uma reflexão de como as danças populares e sua experiência grudam no corpo.

Há um tanto de amadorismo, no melhor dos sentidos da palavra: aquilo que é feito por amor. O que nos chega é não só uma familiaridade e um conhecimento das danças, mas uma observação de sua importância, e desejo de sua continuidade.

Intercalando as cenas breves com falas, que tratam de seu percurso pessoal, e fazem intervenções com o público, a sensação que domina é do convivial. Estamos ali, sentados na plateia e a assistindo, mas poderia ser uma sala de estar, uma roda de samba, um rua durante uma festa popular…

O formato consegue se aproximar do público, mas escapa a definições. Não é exatamente uma conferência dançada, nem uma lecture demonstration, nem uma aula espetáculo. Se fosse esse o intuito, esperaríamos algo mais elaborado na transmissão pedagógica dos conteúdos, que não acontece.

As muitas danças nos são apresentadas indiferenciadamente, em flashes. Vemos suas raízes, mas sem notarmos quais danças são, ou como são, ou de onde, apenas podendo perceber, muito depressa o que elas têm de comum e de diferente.

Num segundo momento, quando as danças se misturam a outras referências, encontramos um novo terreno, que evidencia o corpo da bailarina e sua experiência própria. Aqui, não há um exercício de valorização, nem de resgate (e que bom!). Mas sim uma afirmação de como a tradição gruda no corpo, impregna, acumula, transpassa — voluntária ou involuntariamente, tudo aquilo que fazemos, e que somos.

O resultado são raízes aéreas: aparentes, quase constantemente visíveis, elas permitem que as tradições respirem (tanto no corpo como nos pés), enquanto se prendem a suas fontes e origens, mas sem se afundarem, sem se esconderem por terrenos que não conseguimos olhar.

Tudo aqui está exposto, numa reflexão leve e divertida, de pertença, que consegue colocar o aspecto brincante da participação nas tradições que retrata em uma cena feita com e para o público. As danças são refeitas com respeito, e, por isso mesmo, são transformadas pela experiência individual. O exercício é um de inventar-se, a partir de suas tradições.

A proposta reflete sobre a descolonização. Sobre o efeito dos olhares dos outros sobre o Brasil, para mostrar sua crença, sua dedicação e sua afirmação das danças e das artes populares como construção e valorização das culturas daqui. Sem exotismo, sem pintar um quadro (questionável) de distância e engessamento, mas deixando essas tradições baterem, na planta do pé, e reverberarem pelo corpo todo.

 

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