Críticas

6 / 7 | TAO Dance Theater

Tao Ye continua suas obras minimalistas com as coreografias 6 e 7, apresentadas no Théâtre de la Ville como testemunhos da criação chinesa contemporânea de dança. Entre o programático e o acidental, se percebe, nas entrelinhas das negações da companhia, um projeto estético autoral, em construção nos sete anos do TAO Dance Theater.

A busca por um minimalismo extremo, por formas de coreografar uma dramaturgia corporal que não se desenvolve em outros elementos, que foge de histórias, de enredos, de personagens, de símbolos, de interpretações para além do movimento, é a característica que marca o trabalho de Tao Ye, coreógrafo da TAO Dance Theater. A companhia chinesa esteve recentemente no Théâtre de la Ville, no final da temporada Paris-Pequim, que, com o apoio do Centro Cultural da China em Paris, trouxe espetáculos, ateliês, exposições e projeções de obras chinesas para a França.

6 e 7, as obras apresentadas no programa do de la Ville, parecem complementares, derivativas. Em 6, tudo é tomado por uma grande escuridão. No escuro da cena, uma iluminação distante e leve começa a sugerir uma forma ao fundo do palco. Só com um pouco mais de tempo e mais luz é que podemos distinguir seis bailarinos, vestidos inteiramente de preto, numa diagonal que avança lentamente. Mangas compridas e saias, apenas os pés e calcanhares, a cabeça e um pouco das mãos dos bailarinos são visíveis, contrastando com o escuro do todo.

Com as mãos o tempo todo na mesma posição, suspendendo um pouco as saias, e os pés plantados no chão, o movimento que é explorado é um desenvolvimento de torções de tronco e pescoço, de flexões de joelho, e um caminhar que ao mesmo tempo é leve, mas tem um aspecto endurecido, entre o robótico e o militar. As torções desenvolvem uma frase curta, feita em uníssono e repetida ao longo de toda a obra, junto da trilha sonora, também minimalista e repetitiva. São poucas as alterações dessa frase, que se repete por quarenta minutos no palco. A perspectiva daquilo que vemos é alterada pela variação da direção — entre os passos mecânicos os bailarinos criam um movimento que avança e que recua, mas que também permite uma pequena exploração lateral — e pela iluminação que, projetada intensamente sobre a fumaça que toma o palco e materializa o vazio do espaço, vem de umas fontes diferentes, todas angulares, projetando as sombras dos bailarinos.

A impressão plástica é a do universo: escuro, contínuo, indeterminável, com um aspecto de vazio, mas com uma energia pulsante, forte, insistente e ritmada. Porém, Tao Ye não cria uma visão de caos, e os seis bailarinos continuam toda a obra nessa constante exploração do movimento idêntico, mantendo a distância e o posicionamento. Não há diferença entre os homens e as mulheres do elenco, não há caracterização de indivíduos. Toda a obra se passa a despeito da platéia, que testemunha à distância esse evento no escuro.

Nessa forma de manifesto minimalista, não sobra espaço para muita coisa, além desse ambiente altamente controlado a que assistimos. Há um aparente esforço de negação, o teatro é colocado completamente no escuro, a cortina abre completamente no escuro, vêm as luzes que mostram a cena, mas depois voltamos ao escuro. E, ainda no escuro, a cortina se fecha e a obra termina. Sem espaço nem mesmo para agradecimentos da companhia.

Quando a cortina abre de novo para o início de 7, a plateia ri um pouco. Sete bailarinos estão na mesma diagonal, agora num palco completamente claro e homogêneo, sem dinâmicas de iluminação, sobre linóleo branco, e vestidos inteiro de branco. Não é o mesmo figurino de 6, não temos a adição de saias: mas o figurino de 7 também segue até os calcanhares, desenhando o contorno das pernas do bailarinos. Sem a saia para segurarem, e com a quantidade de luz da obra, as mãos são mais visíveis, um pouco retorcidas, e mantidas durante toda a obra na mesma posição da coreografia anterior.

Em 7, apesar de termos uma obra menos longa, temos o mesmo princípio de uma frase curta e repetida diversas vezes. A frase, se não é idêntica às de 6, poderia perfeitamente ser encaixada àquelas, seguindo os mesmos princípios, as mesmas dinâmicas, as mesmas formas de desenvolvimento. Toda a obra segue os elementos já desenvolvidos em 6, se diferenciando apenas pela claridade (oposta à escuridão da peça anterior) e pela sonoridade: aqui, ao invés da trilha, temos sons guturais e gemidos feitos pelos bailarinos, captados por microfones suspensos sobre o palco.

Dentro da proposta minimalista de Tao Ye, ambas as obras carregam princípios interessantes de movimento e realização. Porém, apresentadas em sequência funcionam  quase que contra o projeto do coreógrafo e da companhia. De onde se propõe uma negação de tema e de enredo, passamos a questionar o significado dessa oposição claro/escuro e da continuidade entre as obras. De onde se propõem formas de valorizar e apreciar o movimento pelo próprio movimento, começamos a questionar o quanto essa fórmula abre espaço — ou não — para a criação e a criatividade.

De um certo modo, parece justo questionar se foram apresentadas duas obras, de fato. Se a afirmativa for que aquilo que diferencia as danças sejam unicamente os elementos cênicos, surge uma desvalorização dramática daquilo que a companhia produz e realiza — e bem, em termos de qualidade. Mas se esse manifesto minimalista não abrir espaço suficiente para a criatividade e a realização do coreógrafo (e dos bailarinos e da companhia), ele poderá ser recebido como malfadado.

Enquanto 6 propõe uma investigação, visual e em movimento, interessante e — mesmo sendo acética — cativante, 7 não acrescenta à continuidade do projeto, já desenvolvido nas obras anteriores — também nomeadas com números — do coreógrafo, 2, 3, 4 e 5. Porém, a ideia de que 7 não acrescenta só é válida dentro compreensão dessa continuidade, e pressupor a continuidade, ainda que por um lado pareça justo — já que há uma decisão de enumerar as obras progressivamente — por outro lado parece arriscado: se tantos outros elementos são negados dentro desse minimalismo, por que o sentido de continuidade também não poderia ser negado? De fato ele pode, mas com essa distância e essa fuga de uma proposta, ficamos sem saber nesse projeto estético o que é programático e o que é acidental.

 

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