Críticas

Mané Gostoso | Ballet Stagium

Diversão simples, gostosa e contagiante: longe das carrancas trágicas de muito da dança dos nossos dias, o Stagium traz de volta à cena uma coreografia que aposta na simplicidade divertida para cativar. Mané Gostoso, em temporada na Caixa Cultural de São Paulo é criticado no Da Quarta Parede.

O Ballet Stagium é um celeiro de produção e circulação de dança, que, desde sua fundação no início da década de 1970, mostra um gosto especial pela temática brasileira. Nossas histórias, nossas músicas, nossas regiões, novo povo, em retratos artístico-antropológicos que foram diversas vezes comparados ao pioneirismo do movimento modernista brasileiro, e a sua figura emblemática na nossa literatura e estudos culturais, o autor Mário de Andrade. Nesse panorama, não surpreende a criação (em 2012) e a remontagem atual de Mané Gostoso, coreografia de Décio Otero, dirigida por Marika Gidali, com música do Quinteto Violado em homenagem a Luiz Gonzaga, que leva ao palco mais um gosto do nosso nordeste.

A metáfora e a imagem principal já são sugeridas pelo título: Mané Gostoso é aquele boneco articulado, preso entre duas varetas e que se movimenta entre elas, a partir da tensão das mãos que o seguram, criando piruetas e diversos movimentos de graça e vigor, que, assim como na coreografia de Otero, dialogam entre o inocente e o malicioso. Um tema leve inspira a criação dessa obra brincalhona, em que os bailarinos saltam e giram, sacodem e escorregam, indo do sério ao infantil, mas mantendo uma alegria simples, uma diversão sem dificuldade, que retrata tanto o brinquedo artesanal quando uma perspectiva sobre esse lugar e esse povo.

No palco em São Paulo, abre-se uma janela para esse outro lugar, que foge do asfalto e dos arranha-céus, e se coloca no chão de pés descalços, com os braços para cima, as pernas esticadas sacudindo até a cabeça, e o corpo todo balançando junto do movimento das saias e das camisas abertas do figurino de Márcio Tadeu. Uma mistura de ritmos que passa pelo frevo e pelo forró, mas mantendo a marca do trabalho técnico do coreógrafo, que usa de estruturas eruditas de ballet e dança moderna e contemporânea para criação desse todo popular.

Quase sempre em conjunto completo em cena, os doze bailarinos estão entre a individualidade e o grupo. Dançam juntos, mas de uma forma que lembra brincadeiras de crianças: ao mesmo tempo que elas estão brincando juntas, existe uma parte do jogo que se desenvolve dentro de cada uma. E é daí que vêm os sorrisos — dos ligeiros até os enormes — nos rostos dos bailarinos que ocupam as cenas da obra, e o gosto da individualidade daqueles que dançam.

Esses sorrisos e essa abertura para o público funcionam como um convite para participarmos também da brincadeira. Ajuda que a temporada recente tenha sido abrigada pela Caixa Cultural, na sua estrutura de anfiteatro, e de poucos lugares, que nos deixa grudados com a cena. Quando os bailarinos trazem bancos para a cena, eles podem se sentar como se fossem uma extensão da platéia, e o caráter contagiante da música e da obra insistem em construir um público que faz parte daquilo a que assiste.

Não há propostas complexas ou grandes mensagem subliminares escondidas. Numa época em que tanto da dança precisa ser laboriosamente repensada, refletida, analisada e dissecada para ser entendida, o mais gostoso do Mané Gostosodo Stagium é a aposta na simplicidade, na comunicação direta. O recurso teatral, marca do trabalho da companhia — e que continua constante na direção de Gidali —, cria intérpretes que não são apenas executores de movimentos, mas que se colocam em cena de corpo todo, de rosto e olhares presentes, reforçando convites e encantos.

Há muito trabalho para se chegar à simplicidade, e muito trabalho para que ela consiga ser transmitida ser parecer fajuta, sem parecer enganosa. Também há muito trabalho em retratar uma felicidade honesta, sobretudo com a quantidade de obras a que assistimos que mantêm a carranca trágica dos nossos dias. No melhor sentido possível, Mané Gostoso é dança para encantar e divertir, que seduz e cativa, e continua hoje tão viva e necessária quanto quando de sua criação.

 

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