Críticas

Retrospectiva 2017

10 pontos marcantes da dança de 2017, ilustrando mais de 30 críticas do da Quarta Parede reveem o ano, apontam caminhos, e criam (grandes) expectativas para 2018

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Acompanhando 3 festivais (Bienal Sesc, Bienal do Ceará, Semanas de Dança), além de muitas apresentações em São Paulo, críticas de 72 espetáculos passaram pelo da Quarta Parede em 2017, e isso tudo corresponde a menos da metade da programação  que foi acompanhada, e a só uma parcela pequena do tanto que foi produzido e que esteve em cartaz por aqui.

Com o ano encerrado, olhar pra trás é uma forma de avaliar esse ano intenso de dança, sem exatamente eleger os melhores, mas reconhecendo alguns destaques, entre indivíduos, obras, companhias, propostas, e linhas-mestras, que guiaram a produção de dança nesse ano que passou.

Para essa retrospectiva, o da Quarta Parede organiza 10 pontos marcantes da dança de 2017, revendo muitos dos trabalhos que, por tantos motivos, ficaram na cabeça.

1. Um ano de parcerias

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2017 foi definitivamente um ano de parcerias. Enfrentando situações financeiras preocupantes para todos os artistas da dança, não houve quem não precisasse dar seus pulinhos. Foi com parcerias que várias das companhias conseguiram colocar em cena mais trabalhos do que o esperado. Além da tradicional parceria entre a Orquestra Sinfônica Municipal e o Balé da Cidade, que teve, por exemplo, a ótima trilha sonora de “Risco” executada ao vivo, a Orquestra Experimental de Repertório também convidou a Cisne Negro para parte das comemorações de 40 anos da companhia, e a Orquestra do Teatro São Pedro tocou com a São Paulo Companhia de Dança para o “Pulcinella”, que foi um dos pontos altos da temporada da companhia.

2. Inovação para os grandes nomes

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Grandes nomes da nossa coreografia, como Rodrigo Pederneiras e Deborah Colker, experimentaram novas referências e novos pontos de partida para seus espetáculos,  ambos estreados dentro da Temporada do Teatro Alfa. “Gira” do Grupo Corpo fala de Exu, e “Cão Sem Plumas” da Colker se inspira no poema de João Cabral de Melo Neto e em uma quantidade considerável de novas referências de movimento — do frevo ao kuduro — fazendo dois dos espetáculos mais marcantes do ano.

3. Programação internacional

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Alguns internacionais passaram por aqui, deixando boas impressões. Foi o caso de Bora Kim, Afshin Ghaffarian, do Nederlands Dans Theater, do LA Dance Project, e, sobretudo, dos convidados internacionais da Bienal Sesc de Dança 2017. Na Bienal, os internacionais diversificaram uma programação em sua maior parte repetitiva com variedade e interesse: Mouvements Perpetuels, na abertura, e a XL Production (da brasileira radicada na Bélgica, Maria Clara Villa-Lobos), no último final de semana, foram decididos pontos altos da programação.

4. Programação ampliada no Theatro Municipal de São Paulo

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O Theatro Municipal de São Paulo finalmente abriu (um pequeno) espaço para companhias que não são corpos estáveis da cidade. Além do Balé da Cidade, vimos nele a Cisne Negro, e, em um dos momentos mais marcantes de todo o ano, a emocionante comemoração dos 40 anos de “Kuarup” do Ballet Stagium. O palco (e a plateia) do Municipal precisam de mais dança. Que esse ano tenhamos ainda mais!

5. Rever coreografias, e coreografias para se rever

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Não faltaram obras boas esse ano. E várias delas não eram estreias: coreografias em repertório ou remontadas entram na memória, ou voltam para a memória. Além do “Kuarup”, o Stagium teve a oportunidade de dançar mais “Preludiando”, do ano passado, e uma das melhores obras do repertório recente de Décio Otero. A Raça Cia de Dança dançou a remontagem de Jhean Allex de “Novos Ventos” de Roseli Rodrigues — ícone do jazz, em uma de suas coreografias mais cativantes, do tipo que arranca suspiros e te faz voltar ao teatro no dia seguinte. Pudemos rever “Adastra” e “Cacti”, duas joias do Balé da Cidade. “Cacti” também veio dançada pelo NDT, numa ótima oportunidade de compararmos elencos e observarmos que não estamos devendo em nada aos internacionais. Os Zumb.boys comemoraram seus 10 anos de pesquisa cênica com uma retrospectiva do catálogo da companhia. E a Paracuru Cia de Dança voltou de surpresa à Bienal do Ceará em Fortaleza com “Praia das Almas” — um dos trabalhos mais lindos do ano anterior, e que precisa da oportunidade de circular pelo Brasil.

6. Continuidade

Tudo isso levanta a importância da continuidade da programação de dança pela cidade. Nos espaços, mas também pelas companhias. Depois de um fascínio quase mórbido com as estreias e uma triste falta de reconhecimento a obras que não sejam novidade, começamos a ver despontarem programas que insistem em obras de qualidade, e dão ao público tanto a oportunidade de rever trabalhos, quanto a oportunidade de que novos públicos cheguem neles. Essa tendência ainda é muito nascente, e pode ser apenas testemunha de uma situação financeira, mas é fundamental para repensarmos as estruturas da circulação da dança, e a importância da continuidade de projetos. Em suas duas últimas edições (2016 e 2017), inclusive, a comissão reformulada de Dança da APCA passou a premiar a categoria “Espetáculo / Não Estreia”.

7. Uma Companhia: Cia de Danças de Diadema

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2017 foi um ano brilhante pra Cia de Danças de Diadema, dirigida por Ana Botosso, que apresentou diversos de seus trabalhos. Do incrível “por+vir” — lindo compilado de coreógrafos e estilos muito bem executados —, passando pelo premiado “EU por Detrás de MIM” — coreografia investigativa, interna, e desdobrante de Bottosso —, e até a estreia de “Força Fluída” — dinâmico e buscando novas referências —, a companhia foi firmando seu espaço pelos palcos da capital, afirmando suas potências, e esclarecendo sua qualidade. Esperamos ver muito mais. A companhia, aliás, está com audições abertas.

8. Um coreógrafo: Jae Duk Kim

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Jae Duk Kim é sul-coreano e coreografou o “Força Fluída” de Diadema, além do maravilhoso “Lub Dub” do Balé do Teatro Castro Alves (que algum programador precisa trazer para São Paulo). Só foram precisas duas coreografias suas para vermos que ele desperta um interesse inegável nos brasileiros — tanto bailarinos quanto público. Esperamos que essas obras circulem por aqui, e que novas parcerias despontem: se ele se interessa pelo Brasil, que fique registrado que também nos interessamos por ele.

9. Uma técnica: Aline Santini

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Quase todas as vezes em que, no meio de um espetáculo, eu me encontrei de boca aberta com o comentário “uau, que luz deslumbrante”, ao olhar a ficha técnica descobri que se tratavam de trabalhos de Aline Santini. Sua luz fez obras como “Shine” da Perversos Polimorfos acontecerem, e moldou com precisão, certeza, delicadeza e eficiência os trabalhos “Bondages” de Marta Soares e “Fados e Outros Afins” de Mariana Muniz. Não à toa, ela recebeu o Prêmio Denilto Gomes e foi indicada ao APCA. Mais que merecido.

10. Um procedimento: hipervisualidade

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Se for pra tentar isolar um aspecto da dança que marcou 2017, esse aspecto poderia ser a hipervisualidade: estéticas de acúmulo e grandes efeitos cênicos apareceram em peso nas produções, no que pode ser lido como uma tentativa de sedução dos públicos da dança. Vimos projeções, vídeo, cenários, ocupação de espaços, figurinos, iluminação, e música, que propositalmente chamam a atenção em “Anatomia 01”, “Cão Sem Plumas”, “Orpheus Highway”, “Das Tripas… Coração”, “Cinequanon”, “Paraíso Perdido”, “Plano Sequência – Take 2”, “Colcha de Retalhos”, “Risco”, “As Canções que Você Dançou Pra Mim”, “Máquina da Amnésia”, “Chulos”, e “H.U.L.D.A.”, só pra citar alguns. Trata-se de uma tendência arriscada, realmente, mas se for funcional para a atração do público e para chamar mais gente para ver dança, com certeza é muito válida.

Balanço

O balanço geral é bem simples: temos muita dança, e temos muita dança boa. Muita dança que precisa de palco e que precisa de público. Que precisa de incentivo e que precisa de apoio. E esse movimento todo deveria servir pra novas resoluções de ano novo: ver mais dança, e valorizar mais a dança. Altas expectativas pra 2018.