Críticas

no Singular | Quasar Cia de Dança

no Singular, de Henrique Rodovalho, 23ª coreografia da Quasar Cia de Dança, fez parte da primeira Plataforma Internacional Estado da Dança, que mapeou, no Teatro Sérgio Cardoso, alguns expoentes da produção em dança do Brasil e do mundo. A convite da curadoria e com coprodução do evento, a Quasar desenvolveu um espetáculo original, que se articula com as questões de mundialização e contemporaneidade do evento, tanto quanto com as questões socialmente relevantes de comunicação em massa, hipertextualização da vida e virtualização da experiência do indivíduo no mundo.

Encerrando um ano em que o coreógrafo muito discutiu em entrevistas sobre a sua necessidade de rever as formas de comunicação que sua dança estabelece com o público, Rodovalho propôs uma forma de criação nova para a companhia, abrindo grande espaço para os bailarinos proporem os conteúdos coreográficos do espetáculo, que foi sendo moldado por ele, dentro de uma perspectiva de navegação na rede, que é sempre individualizada, orientada pelos conteúdos que chegam a cada pessoa, assim como pelas condições e contextos que cercam esses conteúdos, e pelos efeitos de cada pessoalidade frente a esses conteúdos. Visualmente, o próprio cenário da obra reflete esses conteúdos, com um fundo preto que vai sendo preenchido, em cena, por quadrados espelhados, criando a cada apresentação um cenário único, mesmo que seu princípio de criação seja mantido.

Ao discutir a possibilidade de que a especialização de sua dança – a característica popularmente reconhecida como pertencente ao criador de segmentação do movimento pelas partes do corpo, trabalhando a fragmentação da corporeidade da movimentação – tenha afetado muito profundamente a percepção possível da Quasar, de forma a criar um público especializado que já conhece e reconhece e entende os trabalhos, mas talvez diminuindo o espaço para o estabelecimento de novas formas de comunicação, com novas pessoas, Rodovalho vai atrás da ressignificação comunicativa, de questionar e verificar quais os caminhos que permitem que a dança se insira nesse mundo virtual e nessa forma de experiência cada vez mais predominante na vida cotidiana, abrindo os espaços e possibilidades de discussão da Quasar.

Grande elemento de sua proposta, a coreografia Passo-a-Passo foi gravada pelo coreógrafo, em vídeo, na sala de ensaio do Espaço Quasar. Nesse vídeo, Rodovalho e os bailarinos da companhia ensinam o público passo a passo dessa coreografia, avisando que durante o espetáculo o público será convidado ao palco para dançar junto da Quasar (#igualaquasar) essa coreografia. A recepção é grande e, maior ainda, é a possibilidade de aproximação entre públicos e artistas. Não se estabelece ai um caminho fácil que possa ser reutilizado ou reapropriado por outros trabalhos ou outros criadores, mas a resposta encontrada é original para a arte e funcional para o espetáculo, que discute, em vários níveis, as possibilidades de articulação do virtual na vida.

Referências às redes sociais, aos memes e chavões do dia-a-dia, e à cultura pop preenchem a obra, que tem uma grande quantidade de alterações na ambientação pela iluminação, criando espaços e lugares temporários que se adequam a seus conteúdos e logo depois somem, se apagando. Toda a experiência da navegação, do clicar, do abrir abas, dos conteúdos simultâneos, o redirecionamento do hiperlink – elementos tão caros às gerações mais novas e adeptas da tecnologia – são referenciados em formas artísticas nesse espetáculo, em grandes exemplos de criatividade, sem a necessidade de recorrer às estruturas já batidas e tentadas pela dança.

Essa nova proposta e nova realização sugerem o início de uma nova fase da companhia, uma cujo foco seja a comunicação com seus públicos. O que numa instância maior é uma discussão das próprias capacidades de comunicação da dança. Por outro lado, no que parece ser o mais interessante, esse novo projeto ainda está em sintonia com a Quasar como a reconhecemos, sendo uma continuidade de seus trabalhos, que foram desde sua fundação orientados para a transmissão e comunicação de conteúdos. Recuperando o espetáculo de 1998, Divíduo, marco do início dessa movimentação específica da Cia, e, portanto, início de sua segunda fase, podemos verificar que a questão apresentada naquele momento “o que você faz quando está sozinho?”, que parece estar presente em diversas obras da segunda fase da companhia, nesse ponto se reestrutura e se transforma em “o que fazemos com a nossa individualidade, estando todos conectados?”. No trabalho da Quasar, forma e conteúdo aparecem profundamente ligados e realizados em propostas e, mais importante, em cena.

no Singular pode apontar uma nova fase também por suas diferenças em movimentação. Se nos espetáculos anteriores – tomemos, por exemplo, Só Tinha de Ser com Você, original de 2005, mas que continua no repertório da companhia, e que tem uma de suas cenas referenciada em no Singular – o movimento característico era contínuo por estímulo, a partir do centro do corpo, com o trabalho (sobretudo no espetáculo mencionado) de preenchimento do espaço negativo formado pelos corpos dos bailarinos, em no Singular o movimento aparece vindo das extremidades, em posicionamentos refletidos, opostos, desdobrados em eixos que se replicam em diversos corpos. E mesmo essas novas características são postas em discussão, com algumas cenas que, como essa mencionada, vêm de outros espetáculos e são inseridas em novos contextos de apresentação.

A questão do contexto, alias, parece cara a essa proposta, o que se vê nos exemplos de cenas em repetição ao longo do espetáculo, no que aparenta ser um grande debate acerca do quanto muda num conteúdo quando ele é apresentado de uma forma diferente. Discussão essa que é propriamente o que se fala da companhia nesse seu momento: o que muda da Quasar quando ela se apresenta em novas formas? Em sua primeira ocasião de grande mudança, Divíduo, o que se viu foi a afirmação de um dos estilos mais autorais da dança brasileira. Nesse novo momento, supõe-se a continuidade, lado a lado com a mudança, o que, aliado à preocupação com seu público demonstrada pela companhia, indica uma permanência do caminho de acertos que têm sido as obras e a história, tão singulares, da Quasar Cia de Dança.

 

 

no singular

– a Plataforma Internacional Estado da Dança foi um evento da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, apresentado no Teatro Sérgio Cardoso entre 10 e 23 de Outubro de 2012 –