Críticas

Light Bird | Luc Petton

Light Bird, conceito de Luc Petton com coreografia e encenação suas em parceria com Marinén Iglesias-Breuker, coloca, mais uma vez na carreira de Petton, aves em cena junto de seus bailarinos. Esses trabalhos, levados pelo coreógrafo há mais de uma década, investigam as formas de gestos poéticos que podem ser criadas a partir da inspiração e do contato com os animais, em cena.

Originário do Japão, o Grou da Manchúria é uma ave de um metro, atualmente em perigo de extinção. A corpulência da ave ao mesmo tempo que sua aparência alongada pelas grandes patas e asas criam um objeto estético vivo, que foi usado frequentemente na arte japonesa, e que vem em Light Bird ser retrabalhado em forma de coreografia, incluindo a participação, nas apresentações, de três aves em cena.

Enquanto o projeto parte de uma proposta simples e clara – a investigação de quais as possibilidades de interação, jogo e comunicação entre as diferentes espécies em cena -, a realização cênica do trabalho fica beirando o simplista. O elemento mais interessante da obra é a cenografia de Patrick Bouchain, que transforma o palco em um viveiro e cria um tapete de couro manipulável pelos bailarinos que permite a criação de volumes inesperados no piso da cena.

Sobre esse tapete, a obra é claramente dividida entre trechos em que os bailarinos dançam, e trechos em que as aves são colocadas à vista do público. Mostrando interessantes resultados da pesquisa corporal, desde os primeiros movimentos da obra percebemos a sua relação com as aves, marcadas sobretudo pelo uso do corpo alongado e das extremidades projetadas. Os trechos em duos da coreografia reforçam aspectos de interação animal e coexistência pacífica, deixando um intrigante tom de calma, que é bruscamente interrompido quando, na lateral do grande viveiro do palco, uma porta se abre e entram em cena as aves.

Em cena, as interações dos Grous com os bailarinos são limitadas aos objetos de interesse que são apresentados às aves e às formas de recompensa que os bailarinos podem oferecer pouco discretamente a elas, que ocupam a maior parte de suas cenas tentando escapar do palco-viveiro, e, aqui, a reflexão que intencionava tratar da interação e da partilha, acaba tratando muito mais de aprisionamento e incômodo.

Um aspecto de zoológico domina a cena de Petton, e a imprevisibilidade das aves deixa as partes da obra em que elas estão em cena com um incômodo caráter de improvisação mal sucedida. O próprio coreógrafo reflete sobre o desenvolvimento de uma aptidão para o aleatório nos bailarinos e no músico que estão em cena, e essa aleatoriedade chega intensamente ao público, e em um grande contraste com as cenas sem as aves. Sem os Grous, os bailarinos dançam sobre a experiência que têm nesse projeto singular; com os Grous, os bailarinos trabalham como guardadores ou adestradores, e o que é apresentado é muito pouco artístico, e ainda menos, Dança.

Com essas dificuldades de execução, acaba fraca a impressão de interação, de coexistência, de dinâmica de descoberta sobre a qual o coreógrafo tenta criar. Ainda que sejam formadas algumas imagens e efeitos estéticos pungentes, sobretudo pelo ineditismo e pela característica do inesperado que o público tem frente à construção proposta, a sensação predominante é o incômodo. Há todo um discurso sobre a raridade da espécie, a dificuldade de sua reprodução, sua ameaça de extinção, mas confrontada com esse deslocamento beirando o políticamente incorreto de seis animais (revezando em dois “elencos”) para a realização do projeto artístico de Light Bird.

O coreógrafo já falou sobre a reinserção dos descendentes dessas seis aves em seu meio natural, que faz parte do programa de salvaguarda de espécies no qual elas estão inscritas, mas, numa coreografia que tanto quer discutir o paralelo nas relações, vemos uma disparidade intensa, mascarada em discurso ecológico / ideológico, como se o espetáculo tivesse algo a acrescentar às aves.

À exceção do próprio coreógrafo (que também está em cena, mas com uma possibilidade bastante limitada de realização coreográfica), os demais bailarinos fazem um bom trabalho e desenvolvem movimentações que criam associações com as aves, mas que, em nenhum momento, teriam necessitado delas em cena para se realizarem completamente. Tendo que se ocupar das aves em metade do espetáculo, nesse meio termo entre a função de bailarino e a função de cuidador dos Grous, fica enfraquecida o que poderia ser, em outras construções, uma obra interessante.

Ainda que o conceito de Petton para a obra seja instigante, sua realização prática em cena é questionável. Menos artística e mais experimental, o que vemos é uma instalação, alternada com elementos coreográficos – algo entre um espetáculo e uma visita inusitada ao zoológico. A leveza das aves, capturada em belas formas pelo material de divulgação do espetáculo e pela dança dos bailarinos (à exceção de Petton) quando estão em cena, se torna pesada, quase sombria, quando vemos as aves comendo das mãos dos bailarinos, fugindo do músico, e tentando destruir a tela que separa o palco do público.

Onde se propõe falar de interação e coexistência, acabamos por encontrar relações de submissão e controle, que não são aliviadas pela obra, e deixam marcado um gosto de fetichismo, de fixação. Querendo ser leves como as aves, não bastou a interessante e cuidadosa pesquisa do grupo, não bastaram as parcerias com diversas instituições zoológicas e de proteção aos animais que fazem parte da construção do trabalho; foi preciso transformar o palco em jaula e exibir como que em parada os animais incomodados. Luc Petton tem muito o que dizer sobre as aves e seu interesse nelas, mas ainda lhe faltam formas de trabalho e investigação adequadas, bem como soluções cênicas eficientes, para sair dos limites do aprisionamento e exibição e penetrar de fato os temas de contato e leveza que ele busca e defende.

Petton