Vem pro baile
Crítica publicada no jornal O Povo, dentro da cobertura da Bienal Internacional de Dança do Ceará 2021
“Isso Dá um Baile!” do Balé da Cidade de São Paulo é uma obra de festa e celebração. É com ela que esse grande elenco volta de fato à ativa, depois de um afastamento que juntou a pandemia com uma crise na administração do Theatro Municipal de São Paulo, e um vazio de 9 meses na direção do grupo.
Com as coisas começando a se ajeitar, mas ainda antes da chegada da nova diretora da companhia, Cassi Abranches, o coreógrafo Henrique Rodovalho foi chamado para a criação desse baile, que parte da música de Leo Justi e Theo Zagrae do Heavy Baile, para desenvolver sua proposta.
Os bailarinos exploraram em workshop um pouco da movimentação do passinho — estilo de dança que surgiu nos bailes funks do Rio de Janeiro. Tanto o funk como o passinho são culturas de expressão, que falam de espaços e realidades específicos, que se reconhecem no coletivo, mas com grande possibilidade de variedade individual: a música e a dança que servem de ponto do partida para para falar de si, para colocar a sua marca e a sua característica na arte.
Desse caldo inicial, os próprios bailarinos criaram suas formas de mover, que misturam as pesquisas dos workshops com referências pessoais e também do notável repertório que eles dançam nessa companhia. É com todo esse material que Rodovalho trabalha, adicionando um tanto de si, e organizando e propondo a partir da criação pessoal uma obra que fica com a cara e com o jeito desse elenco.
A versão do baile que chega pra Bienal é ainda melhor do que a apresentada pelo grupo em São Paulo. Depois da estreia, a obra foi retrabalhada com uma redução do elenco, que passou de 23 para os 14 bailarinos que dançam em Fortaleza e Paracuru. A vantagem do elenco reduzido tem a ver com a pessoalidade da proposta: como passamos mais tempo com os bailarinos em cena, temos mais tempo pra nos aproximarmos deles.
O que tem de mais interessante no resultado é a mistura daquilo que é de cada um e daquilo que é do outro. Nesse processo de redução do elenco, os bailarinos que agora vemos em cena dançam aquilo que eles criaram, mas também passagens originalmente criadas por outros bailarinos. No palco, essas passagens são assimiladas, retrabalhadas, refeitas e transformadas — os processos variam de caso a caso, e ilustram como lidamos com aquilo que é do outro.
O contato com o trabalho do outro, a proposta do outro, a cultura do outro, e o que podemos ganhar com essa mistura fica como o valor maior desse trabalho, que coloca em evidência as possibilidades de intercâmbio e aproximação entre pontos distintos.
O Baile acontece entre o coletivo e a individualidade. Na primeira cena, o Bonde, vemos a integração do conjunto, uma proposta quase eufórica da possibilidade de finalmente estarmos juntos, dançando juntos, celebrando juntos. Na segunda parte, os Solos, o foco fica na expressão individual: mesmo dentro de um grupo, não deixamos de ser indivíduos, e o que os bailarinos nos mostram é o quem eles são, mesmo que com lentes de várias referências, e o olhar do coreógrafo.
O todo é extremamente convidativo. Leve, festivo, até festeiro, o Balé da Cidade deixa a plateia disposta e com vontade de entrar na dança — boa combinação com a Bienal, que faz a sua abertura deixando o convite pra gente vir pro baile e acompanhar a programação, que segue até dia 18.
Coreografia e Desenho de Luz Henrique Rodovalho
Trilha Sonora Heavy Baile, Leo Justi & Theo Zagrae
Vídeo Cauã Csik
Produção Executiva do Vídeo MangoLab
Figurino Cássio Brasil
Ensaiadora Roberta Botta
Consultoria de Movimento Celly I.D.D e Jonathan Neguebites
Intérpretes-Criadores Ana Beatriz Nunes, Ariany Dâmaso, Bruno Gregório, Camila Ribeiro, Fabiana Ikehara, Grecia Catarina, Jessica Fadul, Leonardo Silveira, Luiz Crepaldi, Luiz Oliveira, Marcel Anselmé, Renata Bardazzi, Uátila Coutinho e Victor Hugo Vila Nova
Balé da Cidade de São Paulo | Direção Artística Cassi Abranches