Críticas

Closer / Orpheus Highway / In Silence We Speak / On The Other Side | L.A. Dance Project

A estranha escolha por um programa longo e inteiro de obras de Millepied ilustra as constâncias do coreógrafo, e falha em nos apresentar a variabilidade de sua companhia, encerrando a Temporada de Dança 2017 do Teatro Alfa com insistências formalistas e abstratas, belas, mas ora cativantes, ora maçantes, criticadas no Da Quarta Parede.

Parte da divulgação da curtíssima temporada do L.A. Dance Project no Teatro Alfa inclui o fato de que a companhia, pela primeira vez, apresenta um programa unicamente composto de obras de Benjamin Millepied, seu fundador, mais conhecido por coreografar o filme “Cisne Negro” e dirigir o Ballet de l’Opéra de Paris por 3 anos (2013-2016). Realmente, o fato é inesperado e, não surpreendente, o maior desapontamento do programa. Millepied é um coreógrafo interessante, mas limitado. Seus muitos duos de 15min com trilha sonora em piano minimalista frequentemente se assemelham. Ele é agradável em programas mistos, mas notavelmente repetitivo num programa com quatro obras suas.

Talvez por esse motivo o LADP prefira os programas mistos, que emparelhem Millepied aos muitos coreógrafos que integram seu repertório, que conta com obras de Cunningham, Forsythe, Naharin, Cherkaoui, Gat, Assaf, Peck, entre outros — e todos eles teriam oferecido uma variabilidade maior para esse programa, que encerra a Temporada de Dança 2017 do Alfa, abrindo com “Closer”, de 2006 — boa ilustração da tendência monocórdica do coreógrafo.

Closer” é um de seus — muitos — duos esculturais para piano. Mostra o gosto por fazer ballet em poses, que se colocam em cena para demonstrar a articulação dos movimentos, encaixados na trilha sonora minimalista de — sem grandes surpresas — Philip Glass. Há ali algo que claramente tenta se mostrar despojado, inclusive com o uso de figurinos que parecem pijamas, retratando uma cena de intimidade em que nada de fato acontece.

Millepied é um formalista abstrato, suas obras são propensas a fugirem de temas, motes, enredos, personagens. Criam estados um pouco indefinidos, e, no geral, por seus títulos, deixam a impressão de que a dança só consegue falar de relacionamentos.

Junto da trilha sonora, a coreografia altera estados de movimento, entre os mais vigorosos e os mais lentos, com o ciclorama continuamente mudando de cor ao fundo, mas a estrutura de dança escultórica é mantida: o tempo das poses insiste e cria uma obra de dança ótima para ser fotografada. Seus movimentos se fazem pela beleza de sua execução, seu trabalho é belo e isso lhe basta — o que não é em si um problema, porque a obra não tenta fingir nenhuma outra intenção.

Mais recente, “Orpheus Highway” testemunha outras tendências do coreógrafo, sobretudo de trabalho com vídeo. Ao fundo, uma grande projeção, ora servindo de cenário, ora dialogando com a coreografia, ao apresentar em si os mesmos intérpretes, capturados pela câmera, em uma segunda coreografia que se combina com a realizada no palco, e permite um desdobramento do elenco.

Ainda que seja criada com um conjunto de 9 bailarinos, “Orpheus” é, em essência, um duo, mas com figurantes e exageros que dão a impressão de teatro musical, de grandes enredos e sentimentos que são sugeridos sem de fato serem trabalhados em cena. O resultado é sedutor, mas é brega. Talvez fosse melhor resolvido se fosse apenas uma construção videográfica, que permitisse os dois planos em aproximações da cama, assim eliminando a necessidade confusa da figuração que acompanha o duo.

Todo o trabalho é bem executado quanto à expressividade, mas novamente, aqui nada demais na coreografia em si: o maior interesse da obra é sua integração — e interação — com o vídeo projetado. Os bailarinos no palco não dançam com seus duplos gravados, mas o elenco desdobrado permite níveis de realização que não seriam fazíveis sem a projeção. Para além disso, a obra, que estreiou em junho deste ano, ainda carece do hábito de sua realização — certas passagens marcam a falta de uma sincronia entre o projetado e o realizado no palco.

Não falta sincronismo em “In Silence We Speak”, mais um duo, agora com duas bailarinas quase idênticas e movimentando-se com tal precisão que até seus cabelos parecem coreografados. Mas, sim, mais um duo e mais da mesma movimentação. A notar, uma leve diferença no uso dos pés, que calçando tênis brancos (e aqui remetendo diretamente a uma tendência do colega de Millepied, Justin Peck — em diversas de suas obras, inclusive uma feita para o LADP) tem uma pisada mais forte, que organiza o corpo pelos calcanhares e não só pela ponta, diferente do que é feito em “Closer”. Nesse sentido, uma semelhança com “Orpheus”, a sugerir tendências mais recentes do coreógrafo.

No programa apresentado, “In Silence” é a obra mais formalista e mais pós-moderna. Mais silenciosa e mais abstrata. O resultado é que talvez seja a mais complexa. O cansaço do público com o formalismo, a esse ponto, é notável: algumas pessoas abandonam a sala, para não voltar mais. Uma pena. Tão cheia de sua própria proposta, essa é a mais fiel e mais bem realizada das obras do programa, e aqueles que ficam no teatro a reconhecem como tal, com a recepção mais calorosa da noite, que se encerra com “On The Other Side”, de 2016.

Se, a esse ponto, já fizemos comparações de Millepied com diversos outros artistas (e consigo mesmo), a grande comparação de “On The Other Side” é com Cunningham. Mais uma trilha sonora de — surpresa, surpresa — Philip Glass, aqui vemos os bailarinos vestidos em cores sólidas em um exercício multi-direcional de coreografia, com os braços quase sempre estendidos, e que que encaixam em formações e aglutinações de grupos, explorando os níveis do palco.

A luz da obra funciona como uma projeção sobre a pintura que serve de pano de fundo, alterando, com estados de luminescência, a percepção de suas cores. A projeção também consegue adicionar dinâmicas de luz e sombra ao fundo, que parece se mover, como as teclas de um piano, ou também como uma contínua passagem de vento.

Além do cenário, a luz dialoga com o figurino, mas isso tudo tem uma interação bem limitada com a dança, que alterna composições de conjuntos marcadas por entradas e saídas de cena constantes e sempre corridas. O grande problema de “On The Other Side” é que a obra é longa. Mas, na verdade, ela não é, só parece ser. 45min é uma duração comum e perfeitamente aceitável. Porém, nesse programa, com outras três coreografias de 15 min, dois intervalos de 15min (que acabam durando 20), um atraso para iniciar, e o tempo de aplausos a cada obra, ocupamos quase 2h30 para assistir a 1h30 de dança.

O resultado disso e o cansaço pelo avançado da hora são claros: a meio caminho da obra final, há uma debandada de público, que decide que já viu o suficiente e prefere ir embora. É uma pena, porque a companhia tem propostas interessantes e realizações bem feitas. Mas carece de concisão e de variabilidade na composição desse programa que recebemos: Millepied é um coreógrafo de interesse, mas não é um coreógrafo de uma noite toda.

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