Críticas

Play | Kataklò Athletic Dance Theatre

As olimpíadas sobem ao palco: seus esportes, suas premiações, suas torcidas são retratados em Play, que a Kataklò Athletic Dance Theatre traz ao Brasil, nos fazendo pensar em como o tema do esporte pode ser trabalhado no palco, e como propostas palatáveis e de desenvolvimento simples questionam os sistemas de validação da dança que se faz, e a que assistimos.

De volta ao Brasil, a Kataklò Athletic Dance Theatre, companhia italiana liderada pela premiada ginasta Giulia Staccioli, traz ao Teatro Sérgio Cardoso Play, espetáculo de 2008 que representou a Itália nas Olimpíadas Culturais de Pequim. A obra foca em trabalhos a partir de modalidades esportivas e outros eventos ligados ao desporto, colocando em cena intérpretes-atletas que desenvolvem o que a diretora denomina como uma forma de Teatro Físico.

Aqui, nos distanciamos um pouco de outras propostas reconhecidas dentro do Teatro Físico, como os trabalhos de Lloyd Newson da DV8, de Dimitris Papaianou, e de Jacques Lecoq. O foco é menos na construção de cena, do drama e da ação, e mais na demonstração, na virtuose, e na ginástica, que, colocadas no palco, assumem um tom circense, mas cujo espetáculo não compete de fato com as formas do Cirque Nouveau.

É assim que Play se perde num meio de caminho: entre a dança, as artes cênicas, o atlético, o ginástico, o circense, o demonstrativo, o esportivo, e tantas outras possíveis categorias. O que junta essas múltiplas abordagens que formam o trabalho parece vir do momento que passamos, com a realização dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro. Um pano de fundo denso, e que ajuda a amarrar todas as partes, mas sustentando-as como proposta, e não tanto como realização.

Dividido em dois tempos, como se chamam cada um dos atos de Play, temos uma sequência de intervenções cênicas curtas que se baseiam, em sua maioria, em esportes, como o Tênis, a Natação e o Vôlei. Fora os esportes, algumas cenas no início e no final de Play aumentam o tom da referência olímpica, ampliada para além da performance esportiva em si, e tratando das torcidas, do momento do pódio, e do ideal do espírito olímpico.

Curiosamente, nessas cenas, quase deslocadas do que parece ser o ponto principal da obra, temos elementos mais interessantes, e que por alguns instantes fazem compreender a associação proposta pela companhia de seu trabalho a formas de Teatro Físico. De resto, ainda que não haja dúvida da fisicalidade, e da potência técnica/ ginástica dos performers, são poucos os casos em que o que vemos se completa enquanto proposta artística, e não apenas demonstração/ exibição.

Aquilo que é exibido é bonito, é bem feito, é provocativo, mas parece pedir mais uma avaliação , uma nota (e que, de fato, seria uma nota alta) do que os aplausos ao fim da apresentação. Isso não se repete para o todo das cenas, pois dentre elas, algumas apresentam um desenvolvimento que vai além do demonstrativo, se desenrolando em abordagens que não só prendem o olhar, mas também despertam o intelecto.

Não é difícil pontuar as cenas de cada um dos tempos de Play. O problema é que esse tipo de comentário parece desinteressante frente àquilo que é apresentado. Ainda que durante a sessão várias vezes o interesse por esses segmentos seja grande, depois que a cortina se fecha, parece que o que assistimos vai se encaminhando para aquele lugar de uma partida acompanhada de algum esporte: no momento em que ela se dá, reagimos intensamente, mas, uma vez terminada, é algo que habitualmente não traz interesse ou inovação suficientes para ser visto novamente, para ser guardado na memória como algo além de “uma boa partida”.

O que parece problemática é essa forma de criação episódica, fácil de ser transportada, fácil de se transformar em vinhetas chamativas, mas difícil de se compreender enquanto um conjunto. Aqui, o todo da obra é a referência às olimpíadas, e não necessariamente o tratamento que a artista desenvolve para o seu tema, que aparece, insistente e claramente, mas apenas em poucos momentos vai além de um fazer ginástica dentro de settings (bem elaborados, e bem ilustrativos, mas que são apenas cenários, figurinos e props), e dificilmente chega a uma reflexão cênica mais elaborada acerca do tema.

Por outro lado, a simplicidade de Play pode ser apontada como uma das chaves para seu sucesso e seu funcionamento. Não há a necessidade de esforço da parte do público, de familiaridade com a companhia ou com o tema, com os artistas ou com a proposta. A obra, graças a sua simplicidade leve se torna palatável, digerível e apreciável sem dificuldade. A simplicidade é algo a se elogiar na arte contemporânea, desde as vanguardas modernistas carregada de complexidades e de relações para além daquilo que é apresentado. Nesse sentido, Play cumpre o que promete, e ocupa seu público com facilidade, ainda que não necessariamente despretensiosamente.

É impossível não pensar em outros trabalhos que apostam na fisicalidade do desporto. Sobretudo por estarmos ainda tão próximos da turnê de VeRo da Deborah Colker. Mas aqui, jocosamente emprestando um outro aspecto desse tema olímpico/ esportivo, a companhia Brasileira sai na frente e se posiciona bem melhor na prova em que participa, com uma exploração contundente e em dança a partir do material que lhe serve como inspiração e que, em Play, parece mais transportado para o palco do que investigado.

Finalmente, talvez seja necessário pensar em outros aspectos desse tema olímpico: na importância da participação, do prestígio, da interação, da cooperação internacional, que se dá em prol não das melhores colocações apenas, mas da construção de uma comunidade, no nosso caso, artística, um pouco mais integrada. Nesse intercâmbio, podemos receber e entender a leveza e o apuro de Play não só como uma hábil demonstração virtuosa, mas como um ponto de reflexão para as formas que estão atualmente em nossos palcos, e os circuitos que as validam.

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