Título em Suspensão | Eduardo Fukushima
“Escombros em doses homeopáticas (‘Título em Suspensão’)”, escrita para o Criticatividade
Quais os tempos da Bienal? Quantos tempos tem a Bienal? — são as perguntas que chegam, quando alcançamos a metade da programação da Bienal SESC de Dança 2017. Por que esse predomínio de obras arrastadas e lentas? “Título em Suspensão”, de Eduardo Fukushima, não é uma excessão ao que já parece ser regra nessa programação. Na obra, não apenas o título do bailarino está em suspensão, mas também seu tempo. Como nisso se encaixam o corpo e a dança?
Numa sala sem nenhuma decoração, somos convidados a sentar no chão, em volta de Fukushima, que, concentrado, parece meditar olhando para o vazio. Não tivéssemos, a esse ponto, já passado pelo percurso da Bienal, talvez pudéssemos apreciar mais a proposta. Não estivéssemos saturados de obras perturbadoramente semelhantes, talvez pudéssemos observar com olhos mais atentos e disponíveis as qualidades desse corpo.
Em si, a obra carrega uma semelhança não só com seus pares na programação, mas com a obra anterior de Fukushima, “Oxóssi”, que estreiou no CCSP Semanas de Dança 2017. Pouco tempo separa as obras, e, certamente, sua criação foi simultânea, o que explica tamanha contaminação entre elas.
Aqui também revemos certas posições de caça e de atenção. Aqui também encontramos um olhar para dentro do próprio corpo, porém, numa estrutura que parece estender ao público esse convite. Mas a obra tem dificuldade de fazer algo além disso. Nivelados com o bailarino, nem mesmo podemos vê-lo o tempo todo. O que poderia ser um aspecto de comunidade, de ritual, com o público sentado em círculo, rapidamente se desarruma com as pessoas se movimentando pela sala — seja para poder ver o bailarino, seja porque é simplesmente desconfortável a situação.
Há interesse quando ele pode ser visto, sobretudo no momento em que a paisagem sonora se desenvolve, e os sons dominam o espaço como se um mundo ruísse a nossa volta. Porém, esse efeito não se replica tanto no restante da obra, sobretudo na coreografia, que trabalha uma pesquisa limitada ao chão e ao peso.
Em meio às ruínas, estamos em escombros. Mas são escombros de quê? É notável o tom meditativo, contemplativo, mas o que é que é contemplado ali? O principal exemplo do problema da obra é o convite a um círculo de meditação ao redor de uma pequena pedra — que, aliás, é pouco recebido pela plateia, ainda que tenha alguma possibilidade de conexão propositiva com os escombros.
De repente, o bailarino está novamente ali parado, frente a essa pedra. Seria esse o final da obra, ou apenas mais um momento parado, letárgico de sua duração? Grande parte do público tomou como final, ou, pelo menos, como um motivo para sair do espaço. Outros ficaram para ver o que aconteceria. Nada. O intérprete permanecerá encarando a pedra até o público se ausentar — e, talvez, para além disso. O exercício aqui não nos diz respeito. Trata do interior, com pouco convite — real — de entrada ou possibilidade de acesso.
A reflexão da desproporção, entre a sonoridade dos escombros e aquilo que deles restam — o pedregulho tristonho — se desdobra para o próprio evento, que alterna grandes efeitos e pequenos resultados: uma Bienal para se ver em doses homeopáticas, sob risco de perdermos o foco, o interesse, a atenção, e debandarmos para o tédio.