Críticas

Força Fluída | Companhia de Danças de Diadema

Um exercício de caligrafia coreográfica, sustentado pela potência dos corpos do forte elenco da Companhia de Danças de Diadema, que escorre por movimentos precisos e controlados — “Força Fluída” de Jae Duk Kim é criticada no Da Quarta Parede.

Força Fluída”, obra do coreano Jae Duk Kim para a Companhia de Danças de Diadema é um exercício de caligrafia coreográfica, construído entre tensão e continuidade, numa estrutura de fluxos e dinâmicas, que usa da potência do elenco para desenvolver movimentos articulados entre dinâmicas rápidas, estacatos precisos e a leveza de continuidades cíclicas, orgânicas, macias.

Obra minimalista e, portanto, de poucos contrastes aparentes, depende de uma precisão absoluta das marcações de tempo, algo sempre complexo em qualquer companhia profissional de dança. Aqui, numa grande surpresa para uma estreia, não há erros de interpretação, e o elenco navega sem dificuldade pelas marcações milimétricas da obra.

Os movimentos propostos por Kim não são algo de inédito, e remetem à sua própria cultura e elaborações que vimos em outras companhias estrangeiras. Mas são movimentos nem sempre explorados por aqui, que evidenciam outras formas de ver e pensar o mundo, a arte, a dança.

Há algo de ritualístico, quase religioso, na forma de lidar com o outro, com o próprio corpo, e com a relação entre corpo e chão que — ao contrário do que vemos em muitas das danças brasileiras, quando se apoiam em certas matrizes de movimento para uma realização pela bacia — se realiza no tronco, nos ombros, frequentemente se curvando para frente, para tocar de leve, com respeito e reverência, o palco.

O todo da obra é desenvolvido em linhas retas, em ângulos corporais sustentados, mantidos continuamente — como nos joelhos, sempre flexionados, preparados, disponíveis para a ação. As curvas aparecem como resultado da influência concomitante de mais de uma linha reta, criando sistemas de ação geométricos.

Em estruturas repetitivas, insistentes, junto de uma trilha sonora assinada pelo próprio coreógrafo, também minimalista e usando voz monocórdica, somos transportados para um tempo cíclico, ritual, e a obra pode ser vista como um mantra, como algo energético, xamânico, ou até cosmológico — os astros nos espaço, em suas orbitas, individuais, mas se cruzando. Um rio, uma corredeira, mas sem respingos: aqui, todas as explosões são contidas e transformadas em potência.

A questão da individualidade é especialmente interessante na obra, porque a experiência retratada, mesmo quando coletiva, é quase sempre realizada individualmente, o que insiste nessa ideia de um exercício caligráfico: escreve-se na mesma língua, podem se escrever os mesmos conteúdos, mas há um refinamento na forma de escrita que dialoga entre um padrão e uma estilística pessoal, dialogando entre o peso da mão do indivíduo e a estrutura rígida de certos sistemas de escrita.

Essa dinâmica entre o orgânico e o mecânico continua na obra, e é levada a extremos: até o movimento respiratório parece detalhadamente coreografado. O resultado é uma forma de controle da energia vital. Domando o desenfreado lado de dentro, numa reflexão meditativa, os bailarinos despertam uma atenção e uma disponibilidade absolutas. E a fluidez interior do sujeito se transforma em força e preparo para o mundo. Controlada em seus mínimos gestos, “Força Fluída” é um ritual caligráfico, coreográfico, de domínio, de controle, de potência.

 

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