Críticas

39155 Mutações | Luis Arrieta

Luis Arrieta comemora 40 anos de carreira com as apresentações de 39155 Mutações na Funarte, em São Paulo. O espetáculo trabalha com a referência à reconhecida A Morte do Cisne, coreografada pela primeira vez por Fokine para Pavlova, em 1905, e retoma um trabalho anterior de Arrieta, também inspirado nesse original. O novo cisne de Arrieta está colocado num ambiente anatomicamente inserido na sala Renné Gumiel da Funarte, sendo a cena um quadrado branco, envolto por um quadrado vermelho cujo linóleo continua para além do quadrado, seguindo os traços de seu contorno para toda a parede e até o teto do espaço.

Presentes na cena, nos cantos do quadrado branco central, dois músicos trabalham a trilha sonora, uma exploração sobre o tema do Cisne do Carnaval dos Animais de Camille Saint Saëns. A ambientação, que explora vastamente efeitos de iluminação, e deixou toda a sala envolta por uma fumaça, constrói uma associação tanto ao retrato tradicional do Lago dos Cisnes e sua névoa, como a um ambiente oculto, que guarda segredos e possibilidades sobre seus habitantes, nesse caso, o cisne em mutação de Arrieta.

A exploração musical trabalha em dois eixos diferentes, um deles partindo mais perceptivelmente do tema do Cisne, numa desconstrução que se mostra bastante interessante para a alimentação da reflexão das mutações propostas; o outro eixo trata mais de uma exploração sonora, ambientação por ruídos, realizada ao vivo com uma grande quantidade de instrumentos e aparelhos, que, em certos momentos, roubam a atenção da micromovimentação proposta por Arrieta.

A plateia é colocada ao longo das quatro arestas do quadrado vermelho, rompendo-se a noção de um palco tradicional, como se o público estivesse adentrando um território, e a proximidade da execução, junto do direcionamento intensificado para a plateia, coloca cada espectador na posição de cúmplice daquilo que é assistido. Arrieta recupera grande parte da movimentação que apresentara em seu duo anterior, Cisnes, de 1990, porém, sem a figura da bailarina que contracenava com ele naquela coreografia, ele se torna figura central da peça, e a indagação proposta ultrapassa os questionamentos sobre as mutações do cisne, para se associar ao criador e questionar, nesses seus 40 anos de carreira, as suas mutações.

Se o Cisne de 1990 apresentava Apollo e a consagração do cisne ao deus, em seu canto de morte, as novas Mutações exploram possibilidades de reconstrução que podem ser atribuídas a esse sacramento. Ficando apenas Arrieta em cena, passa a ser questionável a variação deus-cisne desse papel, anteriormente duplo, agora solo, e que, no entanto, se articula num diálogo em suspenso com os dois músicos em cena.

Arrieta volta ao cisne e à metáfora do fim, da morte, para a celebração de seus 40 anos de carreira, como num ciclo de fim e recomeço. Retoma um conteúdo que já havia trabalhado, e morre em cena com ele, para nascer outro, na mutação seguinte, na apresentação seguinte, no espetáculo seguinte, mostrando uma nova face, do cisne-personagem, e do coreógrafo-criador, dentro de suas tantas mutações, que há 40 anos alimentam a Dança.

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