Individuação, identificação
Quando eu assisto dança, eu quero saber quem são aqueles artistas, seus nomes, suas histórias
Me deixa muito feliz conseguir identificar os artistas em cena. Toda a construção de uma obra, luz, efeitos, cenário, maquiagem e figurinos, colaboram pra plateia focar na arte e desligar do artista, gente, humano, concreto, ali, fazendo a arte acontecer.
Tem trabalhos de elenco bem reduzido, e algumas propostas espaciais em que ficamos realmente próximos dos artistas, que em si já colaboram pra enxergar e identificar os indivíduos. Mas também existe um tanto de trabalho de conjunto que precisa de bastante ajuda pra gente conseguir diferenciar e nomear os artistas.
Programas e fichas técnicas fazem uma parte desse apoio: eles nos dão as listas dos nomes. Ajudam pelo menos a separar quem estava ali de quem não estava ali. Mas só a lista de nomes não me diz quem é quem no palco.
Com tempo, proximidade e investigação, dá pra criar identificações: lógico, quanto mais dentro da área a gente está, mais dos artistas da área a gente conhece e reconhece. Mas isso sempre foi um desafio pra mim, enquanto público.
E ele aparece até em ocasiões inesperadas. Você vai comentar de um bailarino com alguém, e sabe dizer a obra que ele dançou, a cena que ele fazia, como ele estava vestido, como era a aparência… mas não sabe o nome!
O nosso esquema padrão de creditar o elenco normalmente nos dá ordem alfabética e só. Como passar do “é um dentre esses”, pra “é esse aqui”?
A minha defesa é que conhecer os indivíduos cria laços. Laços com os próprios sujeitos, laços com o grupo, e também laços com a dança. Além dessa proximidade, cria humanização, cria individuação. Não é “um corpo” em cena. (Acho que já podemos superar esse drama antigo do bailarino tratado como ‘corpo’). É alguém. É uma história, é uma pessoa, é um profissional, é um artista. É por causa dessa pessoa — é por causa dessas pessoas — que a gente está ali na plateia.
Há não tanto tempo, tínhamos outras formas de identificação. De anúncios pra alguns dos papeis, até programas com nomes, fotos (e biografias!) do elenco. As coisas mudaram. A resposta pros programas é a de sempre: é caro, gasta papel, etc, etc… E ok. Mas a internet tá ai. Os sites e as redes dos grupos tão ai. Não é a melhor solução, eu confesso, mas é mais que nada. Dá algum acesso a essas pessoas.
Não sei o quanto desse desejo é só uma entrega à impressão atual (que talvez seja até falsa) de que a gente se aproxima quando se reconhece. Mas o desejo é verdadeiro. Quando eu aplaudo, quando eu falo sobre aquilo, quando eu escrevo sobre o trabalho, eu quero saber quem são aquelas pessoas. Nem sempre eu posso olhar no olho pra agradecer, mas eu sempre posso, pelo menos, reconhecer pelo nome. E me parece importante.
[Ao longo de 2021, os textos publicados na 3ºsinal receberam o apoio da Lei Emergencial Aldir Blanc do município de São Paulo, que viabilizou uma série de ações como a 3ºsinal e a reformulação do site Outra Dança]