Livro: Dança Moderna 1922-2022
A dança hoje ainda é moderna? Atualizando 30 anos de pesquisas e criações, um novo livro discute a modernidade
Essa semana, lançamos o livro “Dança Moderna 1922-2022”. Um projeto de Cássia Navas, esse livro reedita um livro de 1922, feito por Navas e Linneu Dias, que discutia, em quatro capítulos, aspectos fundamentais da dança moderna em São Paulo, falando sobre As Mães da Modernidade, As Companhias Estáveis, A Experiência do Teatro de Dança no Galpão, e Klauss Vianna em São Paulo.
O livro de 1992, editado pelo Centro Cultural São Paulo, com distribuição gratuita, se tornou uma referência para pesquisadores de dança e história da dança desde seu lançamento, e virou uma figura meio mítica, meio fantasmagórica: ele é difícil de achar, e só aparece de vez em quando, em sebos, e com alguma sorte.
Trinta anos depois, o conteúdo integral do livro original está republicado, agora à venda pela Editora Mireveja, numa edição que se completa com três novos e extensos capítulos, em que o tema é atualizado de formas distintas, por pesquisadores que estudaram e trabalharam com Cássia Navas, assim como ela tinha estudado e trabalhado com Linneu Dias quando o livro original foi produzido. E foi assim que eu tive o prazer de assumir a missão de atualizar um dos capítulos mais icônicos da historiografia da dança de São Paulo.
Em “As Companhias Estáveis”, Linneu Dias discute o processo de profissionalização da dança em São Paulo a partir da continuidade do trabalho de escolas e companhias de dança. Destacando o Balé da Cidade, a Cisne Negro e o Ballet Stagium, ele retraça o percurso desde o Ballet do IV Centenário, dos anos 1950, até chegar em 1992, quando as companhias estáveis comemoravam seus 20, 20 e poucos anos.
Em 2022, no capítulo entitulado “Dança em São Paulo Hoje: continuidade e instabilidade , 1992 a 2022”, eu parto do percurso de Linneu com quatro pontos de vista que considerei fundamentais de atualizar: a trajetória das companhias oficiais de São Paulo, trazendo o Balé da Cidade até seus 55 anos, e contando a história da São Paulo Companhia de Dança, que aparece em 2008; rediscutir as Companhias Históricas, que Linneu apresenta, falando sobre como continuaram a Cisne e o Stagium; discutir algumas das Companhias Longevas, com trabalhos iniciados há pelo menos 20 anos, que moldam o cenário da dança dita independente de São Paulo; e falar sobre as possibilidades que foram abertas pelas políticas públicas para a dança.
Me parecia, na ocasião do convite para o texto, que pensar a dança de São Paulo hoje exigia um tanto de inclusão, e um outro tanto de segmentação. Enquanto meu capítulo chama a atenção para a continuidade e para as instabilidades que a cena da dança encontra (em todos os seus âmbitos) nessas últimas três décadas, é fato que ainda que todos enfrentem o instável, ele se apresenta de maneiras muito distintas a cada caso. Falar da dança de hoje seria falar de uma multiplicidade que não daria conta de ser caracterizada em apenas três grupos de 50 anos.
Foi assim que dolorosamente foi escolher alguns exemplos de companhias que são hoje fundamentais para se pensar as última gerações, as gerações atuais, e as próximas gerações da dança de São Paulo. É uma seleção. É um recorte. E é parcial. Pontua, de forma extremamente breve, as origens e os desdobramentos da Cia Carne Agonizante, Cia Druw, Raça Cia de Dança, Estúdio Nova Dança (Cia Nova Dança 4 e Cia Oito Nova Dança), Cia Corpos Nômades, Núcleo de Improvisação, Cia Danças Cláudia de Souza, Cia Mariana Muniz de Dança e Teatro, Marta Soares, KeyZetta & Cia, Taanteatro, Cia Artesãos do Corpo, Cia Sansacroma, Cia Fragmento, e Grupo Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira.
As listas têm o problema de serem incompletas. Em cinco minutos eu te faço uma lista de grupos três vezes maior que essa, de gente que não está na minha lista original. Uma hora depois, faria uma outra lista, ainda maior, e ainda incompleta. Tomado pela vertigem de listar, encerro meu capítulo com uma grande lista de nomes, que inclui todos esses, e todos os mais que juntei a partir de documentos oficiais, sobretudo das cooperativas, e das inscrições do Fomento à Dança. É uma lista bem maior. E, portanto, igualmente mais incompleta. A nossa dança é muita gente — ainda bem.
No meu desenho desse momento da dança de São Paulo, tento somar esses nomes e somar essas histórias, pra compor um quadro panorâmico dos caminhos e dos processos. Dos descolamentos e desdobramentos. Dos modos de fazer, pensar e propor dança. Esse desenho ilustra que em 30 anos assistimos a uma multiplicação violenta das referências da dança em grupos de trabalho contínuo. Ilustra que a dança resiste, persiste, e continua.
Outras formas de resistência, de insistência e de apagamentos são ilustradas nos outros dois novos e maravilhosos capítulos do livro. Em “Modernidade, dança no Recife”, Arnaldo Siqueira nos arranca do eixo de São Paulo e mostra que a modernidade (e a dança) se estabelecem de formas semelhantes e também distintas por toda parte, em redes cada vez mais comunicadas e aproximadas. Em “Dança na Semana de Arte Moderna: importante desimportância”, Cássia Navas registra pela primeira vez, em imagem e texto resultantes de décadas de pesquisa e aproximação, a história da “senhorinha Yvonne Daumerie”, que dançou no Theatro Municipal de São Paulo, no segundo dia da Semana de Arte Moderna de 1922, e da qual, por muito tempo, soubemos apenas o nome. O trabalho de investigadora de Navas encontrou gerações da família de Daumerie, com um álbum de fotos até agora inéditas, e com histórias que dão — finalmente — corpo, contexto e memória a uma figura da qual por muito tempo só restou um nome, em letrinha de pé de página, como uma ilustração corporal dançada para um evento que era, mesmo, a palestra de Menotti del Picchia.
Em três eventos de lançamento, em São Paulo e em Recife, estamos discutindo, nós autores com públicos diversos, o impacto desses textos e dessas reflexões. Entre todos os pontos fundamentais que ressurgem a cada conversa, toda vez me assombra o pequeno interesse e o pequeno registro da história da nossa dança. Eu conto nos dedos da mão a quantidade de livros que conseguem ser publicados aqui. A drástica restrição às pesquisas de historiografias amplas, discursos que articulem mais de uma voz, mais de uma veia da história da dança. Que ofereçam pontos de partida pra que mais gente possa tomar pra si esses momentos da dança que não viveu, que não conheceu, e que ficam, nos textos, como pontes de aproximação — como o livro de 1992 foi pra mim, quando comecei a pesquisar história da dança. Desse registro feito com muito carinho (e ainda mais trabalho), fica a esperança de que não levemos mais três décadas para a próxima, e o agradecimento imenso por poder fazer parte desse momento.
* O livro “Dança Moderna 1922-2022”, de Cássia Navas, Arnaldo Siqueira, Henrique Rochelle e Linneu Dias, está à venda no site da editora Mireveja em edição impressa e em ebook. A versão ebook, em preço super acessível de R$10,00 também está disponível na Amazon.
Dança Moderna 1922-2022
Curadora/ editora: Cássia Navas
Autores: Arnaldo Siqueira, Cássia Navas, Henrique Rochelle, Linneu Dias
Editora técnica: Flávia Fontes Oliveira
Assistente de pesquisa: Dialeto Arte e Comunicação – Claudia Oliveira
Produtora executiva: Julia Baker
Revisão: Daniela Lima Alvares
Tradução: Bomba Criativa Produções
Assistente de produção Fetú Nicioli
Projeto gráfico e diagramação: Marise De Chirico e Cláudia Gil | estudioPonto
Diagramação e produção e-book: Cintia Belloc
Produtor gráfico: Sérgio Almeida
Tratamento de imagens: Oficina de Impressão
Prepress: Márcio Uva
Prestação contas/ projeto: Renato Modesto (Malverde Produções)
Contador: Ivan Szoboåszlay (Apoio & IS Soluções Contábeis)
Publishers: Fabiana Biscaro e João Correia Filho (Editora Mireveja)
Organização editorial: Cássia Navas Alves de Castro Produções
Comunicação e Assessoria: Vanessa Hassegawa
Editora Mireveja