Perfil: Balé Folclórico da Bahia
Reconhecido no mundo como embaixador do Brasil, o Balé Folclórico da Bahia ainda precisa ser encontrado por muitos brasileiros
- Origem e formação
O Balé Folclórico da Bahia foi fundado em 1988 pelo bailarino e antropólogo Walson Botelho, junto do bailarino e produtor Ninho Reis. Botelho tinha sido contratado para montar um espetáculo-show de danças folclóricas, e o grupo que ali se forma continua trabalhando, passa pelo Festival de Dança de Joinville, e tem uma boa recepção, dando origem à companhia.
Em 1994, a companhia é uma das duas representantes brasileiras na Bienal Internacional de Dança de Lyon, edição com o tema Mama África. Sobre essas apresentações, Anna Kisselgoff, crítica do New York Times escreve que “das 20 companhias dos 4 continentes que se apresentaram neste festival francês nenhuma incorpora melhor a ideia de dança negra na África e além dela do que o vibrante Balé Folclórico da Bahia”. Na edição seguinte, em 1996, tema Aquarela do Brasil, o BFB está na programação junto de grandes nomes da dança brasileira, como o Balé da Cidade de São Paulo, Márcia Milhazes, Ballet Stagium, Lia Rodrigues, Deborah Colker, e o Grupo Corpo. Nessa ocasião, o BFB lota as 11 apresentações no teatro de mais de 4mil lugares.
O reconhecimento internacional alça a projeção da companhia, que se desdobra em turnês por muitos mais países do que o Brasil, onde ainda circula pouco. Só nos Estados Unidos, são turnês de 2, de 4 meses dançando por todos os cantos do país, que passam a coexistir com os projetos regulares de formação e apresentação no Pelourinho, no Teatro Miguel Santana, que a companhia ocupa desde 1995. Lá a companhia se apresenta regularmente, num formato que já se tornou patrimônio local e turístico, e que atualmente pode ser visto três vezes por semana, em plateias ainda lotadas, sobretudo de turistas.
- Característica e Dança
A dança do Balé Folclórico da Bahia, coordenada por José Carlos Arandiba, o Zebrinha, trabalha com as referências da cultura popular, e das danças de devoção e ligadas aos ritos da diáspora africana. Porém, ainda que eles coloquem no palco danças como o maculelê, e os próprios orixás, o BFB não apenas reproduz em cena o que se veria numa cerimônia de terreiro. A escolha artística parte dessas origens para produzir versões teatralizadas das formas.
O repertório opera então com cenas curtas, pontuadamente referenciando uma origem, um assunto, um tema, que compõe também em espetáculos grandes, mais articulados em suas partes, que são os que normalmente fazem a circulação. O que se assiste no Pelourinho é um pocket show, com cinco cenas mostrando o Pantheon dos Orixás, Puxada de Rede, Maculelê, Capoeira e Samba de Roda — todos eles em ilustrações desse processo de criação artística a partir das referências populares, mas não restrita à colocação dessas referências no palco.
A decisão preserva uma distinção importante entre aquilo que existe na vida, na memória e na religiosidade das pessoas, e aquilo que é retrabalhado para ser fenômeno cênico e artístico. No BFB o trabalho artístico anda conjuntamente com o formativo, e o momento da pandemia serviu intensamente pra mostrar essa articulação: enfrentando as dificuldades do momento, a companhia perdeu praticamente todo seu elenco, desde que em 2020 perdeu as possibilidades de manutenção de seu quadro de funcionários. Naquele ano, Caetano Veloso chamou a atenção para a necessidade de ajuda e importância do grupo, mas só em 2022 as atividades puderam ser de fato retomadas, com projetos financiados.
Foi um grande projeto de reconstrução de repertório, que começou com oficinas em 10 comunidades de Salvador e arredores, e terminou em audições para a companhia, agora reestabelecida e em atividade.
- Passos futuros
Apesar da retomada das atividades, o Balé Folclórico ainda opera com horários reduzidos, por enquanto dançando no Pelourinho só às Segundas, Quartas e Sextas. A expectativa é que no segundo semestre desse ano o fluxo de turismo volte a se estabelecer e seja possível retomar a regularidade completa das atividades.
Também agora em 2023 retornam as atividades formativas do projeto Balé Junior — grupo jovem criado pelo BFB em 1998 —, enquanto a companhia se organiza para a continuidade das apresentações e temporadas do espetáculo “O Balé que Você Não Vê”, criado e trabalhado desde 2018, para a comemoração dos 30 anos da companhia, agora já com 35.
A expectativa é de retomada. Aquilo que a pandemia destruiu tem sido aos poucos reconstruído, e recolocado em cena. O grupo também se volta às proximidades com o Brasil: ano passado, um mini documentário com depoimentos dos artistas e de amigos da Companhia, como Caetano Veloso, Glória Pires, Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus, discute sua importância e convida ao encontro. O último projeto subsidiado do grupo permitiu a reestruturação das obras e da sede, colocou diversos materiais e repertórios online, e espera alcançar novos públicos.
Semana passada, numa viagem de férias, eu fui finalmente conhecer Salvador. O primeiro item da minha lista do que não podia perder era o Balé Folclórico da Bahia, que eu só tinha visto aqui em São Paulo, no MASP, e em videos. O que a gente encontra em cena ali tem a mesma energia que contagia os públicos desde os anos 1990. Mas a proximidade faz toda a diferença. A capoeira tem pés que quase te tocam, os orixás praticamente caminham entre a gente, e, no contexto de Salvador, do centro histórico e do Pelourinho, tudo afirma uma herança que nem sempre é evidente e nem sempre é valorizada, mas que nos conecta a uma ancestralidade forte, transbordante e explosiva, como as danças a que assistimos. Essa companhia, vista no mundo como embaixadora do Brasil, precisa ainda ser encontrada por muitos brasileiros. E merece: não dá pra imaginar sair de lá sem se sentir tocado.