Quanto custa, ou é de graça?
Do preço do ingresso ao valor do investimento: quanto custa fazer dança? Quanto vale ver dança?
Numa semana em que o assunto principal insiste em compras, preços, descontos, e economia uma pergunta que fica na cabeça é “quanto custa?”. Quando a gente fala de dança, de arte, como lidar com essas noções competitivas e que vêm de outra área — o preço e o valor?
Existe uma questão central no acesso às artes que é uma discussão de preço. Muita gente diz que não frequenta as artes porque ingressos são caros. E, de fato, tem muita coisa que tem ingressos absurdos no mundo. Mas não tudo. A gente sabe da quantidade imensa de coisa gratuita, mas a informação, e, sobretudo, o interesse, nem sempre chegam.
O desafio insiste no furar a bolha: como a gente faz pra falar pra alguém que nem sabe que poderia se interessar por dança que tem dança disponível (e às vezes de graça) pra assistir? Como você mostra pra alguém que, muito além de uma questão de preço, importa uma questão de valor? Como você convence alguém a valorizar a dança, e as artes?
Essa dinâmica entre a valorização e a percepção do preço e do custo é bem importante. Quando a gente valoriza algo, a gente entende que aquilo tem uma importância que é além do seu preço. É o que faz tanta gente gastar tanto dinheiro com grandes eventos de música, por exemplo: a valorizacão da experiência justifica um investimento, um preço, um custo, e um pagamento (às vezes exorbitantes).
Algo parecido acontece com o cinema. Com as artes da presença, não tanto. Sempre tem os grandes sucessos, mas eles parece que lidam com uma chave de “isso aqui, essa obra, essa apresentação” é que tem valor, mais do que “essa forma de arte tem valor”.
Quando a gente dá valor à dança, a gente entende, muito mais que um aceite de preço de ingresso, uma importância de valor de investimento. Porque pode ter muita coisa disponível pra ser assistida de graça, mas nada disso acontece sem custo. Tem pessoas trabalhando em todas as áreas de cada obra e por muito tempo. Essas pessoas têm vidas e têm contas pra pagar, e o dinheiro precisa chegar de algum lugar.
Quando a gente vê programas de incentivo, de subvenção, de fomento às artes, sobretudo quando eles resultam em apresentações gratuitas, muita gente deixa escapar a lógica dos preços e dos valores que estão por trás do trabalho. É uma questão de desconhecimento, mas também é uma questão de valorização. Tem gente que acha normal, aceitável, justificável um ator de tv ganhar milhões por seu trabalho, e ao mesmo tempo acha completamente sem noção a briga constante das artes pra aumentarem os seus pequenos investimentos.
Com os frequentes cortes e reduções em todas as formas de subvenção das artes, parece que somos convidados a uma eterna Black Friday: fazer dança em promoção. Mais por menos. Mas as artes não funcionam em atacado. Diminuem-se os investimentos, e as justificativas deixam de ser pela lógica de multiplicação, e passam a ser pela desvalorização: isso não precisa de mais; porque isso não vale mais; então não deve custar mais.
Mas a vida toda tem custado mais. E eu insisto (ainda que toda vez que alguém fale sobre isso apareçam as oposições): arte também é trabalho. E os trabalhadores da arte e da cultura não podem viver pela lógica da promoção.
[Ao longo de 2021, os textos publicados na 3ºsinal receberam o apoio da Lei Emergencial Aldir Blanc do município de São Paulo, que viabilizou uma série de ações como a 3ºsinal e a reformulação do site Outra Dança]