Quem é responsável pela comunicação da dança?
A comunicação é essencial e cheia de dificuldades, mas quem é responsável por comunicar a dança?
Pra completar a série de textos sobre a comunicação e os seus problemas na dança hoje em dia, faltava uma reflexão mais desenvolvida sobre a responsabilidade da comunicação. O questionamento, a pontuação, e até a revolta com esse aspecto apareceram em comentários e mensagens que recebi nessas duas últimas semanas, a partir dos dois textos anteriores sobre o tema (aqui, e aqui).
A resposta que eu mais ouvi insiste no “a responsabilidade é do outro”. Não é muito novidade. Eu mesmo já fui (bastante) questionado diretamente sobre porque eu não publicava mais nos jornais grandes — o que sempre foi um desejo, sempre foi um esforço, e teve poucos frutos, por um desinteresse específico dos jornais.
De um editor de um caderno de cultura importante, eu ouvi que “os leitores desse caderno não estão muito interessados em dança”. O que me acendeu o questionamento: como ele sabe disso? A lógica da resposta era simples: o caderno já tinha há anos diminuindo as publicações ligadas à dança, e nunca tinha recebido reclamações ou manifestações dos leitores.
Entra aí um dos aspectos mais importantes da noção de responsabilidade. Quem é responsável, é responsável por algo, por alguém. O jornal tem responsabilidade para com os seus leitores. Mais teoricamente, poderíamos defender uma responsabilidade com a população, com a notícia, com os fatos. Mas como medir isso na frequência das publicações sobre dança? Se o jornal honestamente acreditar que seus leitores não se importam com o assunto, honestamente não insistiria tanto nesse tópico.
Pra perguntar quem é responsável pela comunicação da dança, é preciso questionar a quem interessa que a dança comunique. Existe uma defesa importante do papel do poder público, que, ainda que com restrições, fomenta a produção de dança. Se há importância em produzir, é porque há importância em se ter dança, e por isso há importância em comunicar.
Mas, assim como o poder público faz escolhas de que danças acredita ser importante de fomentar, seria necessário fazer escolhas de que danças divulgar. Mais que isso, entraria em jogo uma restrição do aparato: de como o poder público constituiria instâncias para essa comunicação, especialmente notando que hoje em dia o poder público mal dá conta de se comunicar.
Até agora, o principal interessado na dança é… a dança! Ainda não fazemos parte do imaginário, do desejo e da discussão cotidiana. A dança não está presente na educação, e frequentemente não é reconhecida pelas pessoas como um interesse em matéria artística ou de lazer. Nós sabemos dessa importância e desse valor, mas ele ainda não é um consenso.
Em meio a essa situação, a dança é a principal interessada na dança. É a dança que quer se espalhar e chegar a mais gente. É a dança que quer mostrar seu valor e convencer da sua importância. É a dança que quer mostrar o real potencial de sua presença artística e estética na sociedade.
É por esse estado das coisas que é tão difícil esperar que venha de fora o sentimento de responsabilidade para com a dança. Se formos esperar, teremos o exato resultado atual: a dança cobra (e sabe que vale aquilo que cobra), mas não tem ninguém do outro lado compartilhando da responsabilidade.
Nós sabemos o valor da área e da arte em que nos inserimos, mas essa percepção não é ainda compartilhada amplamente. Continuamos o esforço que várias gerações antes de nós já faziam pela dança. E continuamos incertos dos nossos efeitos e resultados.
Continuamos insatisfeitos, porque sabemos que a dança vale mais, merece mais, e tem ainda um longo caminho de construção. Mas não podemos correr o risco de esperar isso que venha dos outros, que venha de fora. A dança existe, exige seu espaço, se mostra, acontece, e precisa se comunicar. É um acúmulo de funções injusto, mas é a parte que só quem já acredita nessa importância topa continuar. E continuamos. Mas comunicando, por favor.