Retomada
Encarando a pandemia, a dança presencial começa a dar sinais de retorno. Você acha que é hora de uma retomada?
Dois pontos opostos e igualmente assombrosos convivem nas discussões sobre agora: a possibilidade de uma retomada e a impossibilidade de uma retomada.
Pela primeira vez em 18 meses, eu precisei organizar na agenda a programação de dança presencial. Ainda temos festivais, e grandes programações em transmissão — essas também estão se restabelecendo e fortalecendo. Mas junto com a empolgação de ter coisa pra assistir fora de casa, vem todo o medo e o receio, justamente, de voltar a sair de casa.
Se essa é uma hora adequada, é algo que está longe da minha capacidade de avaliar, mas as duas posições coexistem na cabeça. Por um lado, aquela voz que te diz “sossega, se guarda, não sai não”, por outro lado a empolgação quase desesperada de ir pra outro lugar e, não só sair de casa, mas sair de casa pra ver gente dançando.
Depois de tanto tempo de restrição, nesse momento em que começam a existir possibilidades, parece que fica muito mais difícil ignorar. A gente é dominado por uma percepção arriscada de que se não for agora não vai ser nunca. E claro que não é verdade. Entre agora e nunca existe todo um universo. Mas vai explicar isso pra sensação de que temos perdido coisas.
A gente sabe que não tem nada resolvido e nada acabado. A gente sabe que tudo pode surtar e piorar num instante. Motivos que, ainda mais, acabam empurrando essa saída. “Vai. Vai agora, porque você não sabe se amanhã tudo pára de novo”. E ai vêm todos os convencimentos. Ah, os protocolos, o cuidado, as máscaras, o álcool, o distanciamento, o tempo de duração, as indicações sanitárias. E, sobretudo, a vacinação. Na cabeça, o hábito vai transformando o desconhecido em algo contornável, justificando o injustificável. Me sentindo seguro? De jeito nenhum. Mas me agarrando em uma coragem duvidosa…
Nervoso, e com um tanto de receio, mas sim, tenho tentado descobrir o que pode ser alguma forma de retomada nesse momento. Não é uma volta ao normal. Não é uma percepção de que acabaram riscos, problemas, caos. Nem poderia ser. Mas alguma mudança já tem efeitos inacreditáveis.
Se você for considerar retomadas, como sempre, se informe. Entenda as situações, entenda os protocolos e entenda os riscos. Não há segurança, não há garantias, e todos os riscos arriscam ser absolutos e te tirar algo insubstituível. Se proteja, tome suas decisões conscientemente, e não exponha outras pessoas.
Há alguns dias eu estava assistindo a um ensaio e só faltava chorar de felicidade de estar ali. Vendo gente dançando. Em meio a todo o peso e a tristeza de um mundo incerto, sombrio e ameaçador, que tirou da gente tantos prazeres, do simples dar uma volta na rua até o ir ao teatro, de repente esses pequenos momentos vão reconstruindo um pouco de felicidade. Um tanto de esperança de que o mundo não acabou, e que a vida se reconstrua. Um tanto de esperança, e um tanto de ilusão, que a gente até escolhe ter. Sem segurança, mas inventando coragens. Às vezes a gente se faz acreditar em alguma coisa. Em tempos melhores, e de mais dança pra assistir de perto.
[Ao longo de 2021, os textos publicados na 3ºsinal receberam o apoio da Lei Emergencial Aldir Blanc do município de São Paulo, que viabilizou uma série de ações como a 3ºsinal e a reformulação do site Outra Dança]