Voltar pra casa
Existe aquele lugar que sempre faz você se sentir bem: na dança, o que pra você é “voltar pra casa”?
Voltar pra casa tem vários sentimentos gostosos. Nunca é uma questão de estar tudo perfeito, tudo em ordem, tudo sem problemas. Sempre é uma questão de se sentir bem. Estar entre essas ruas, entre essas pessoas, entre esses móveis, entre essas fotos. Aconchegados pelo entorno, vem o alívio de sentir que sabemos onde estamos.
Esse fim de semana, vim pro interior, pra casa da minha mãe, onde eu cresci. O sentimento de casa tem a ver até com olhar a árvore na calçada. Claro, se o meu é um caso de “uma casa só e muitas boas lembranças”, também tem um outro fator que ajuda muito: as pessoas. Meu quarto mudou, minha cama mudou, a própria casa mudou muito. Mas aqui, eu continuo cercado de gente querida e boas lembranças.
Pensando sobre os espaços e as pessoas que fazem carinho na nossa memória, lembrei, pra além de família e amigos, de experiências de estudo, de aprendizado. Foi por aqui que eu descobri meu gosto por ir ao teatro, por estar perto de gente das artes. Aqui eu experimentei o movimento, inventei planos que levariam 20 vidas pra viver, e conheci tanta gente fundamental pra tudo que veio desde então.
Eu penso na minha professora do pré, e em todos os outros professores desse caminho. Penso nas coisas que nem aconteceram nessa cidade, e nas cidades que vieram depois. Em quem eu fui encontrar, e em como eu acabei me encontrando no caminho.
Às vezes, ouvindo artistas falarem, parece que o que eu escuto é uma memória dessas. Uma lembrança de uma professora de balé, de uma academia de dança, da barra daquela sala específica. Soando no ouvido, fica o gosto de lembrança boa. A felicidade de pensar naqueles que fazem parte da nossa experiência no mundo. Nos lugares onde a gente se entende e se reconhece como parte do mundo.
Vez ou outra, temos a sorte de voltar. Pra esses espaços, pra essas companhias. Parece que a gente consegue recuperar esse gosto de estar em casa porque ele não é só dos lugares, mas do quanto desses lugares vem carregado no peito. É cozinhar uma receita do meu avô usando o avental dele. Olhar os cadernos de anotações que eu guardo de toda a vida e ver o que aconteceu com cada ideia. Folhear programas de espetáculo pra pensar o tanto que cada dança me marcou. Ver pelas memórias das redes sociais em que teatro eu estava há 10 anos. Com quem eu estava, o que eu estava assistindo.
E aquele sorrisinho engraçado, quase discreto, de pensar um “nossa, que coisa boa foi isso”, e a felicidade de carregar pra sempre um teco dessa delícia. A pergunta pode ser um pouco invasiva, então fica como uma sugestão pra só pensar, ou então pra aproveitar mesmo e contar, dividir com mais gente essa alegria doce: pra você, na dança, o que é que te deixa sorrindo e com gosto de voltar pra casa? Qual o lugar onde a sua dança se sente mais em casa?
[Ao longo de 2021, os textos publicados na 3ºsinal receberam o apoio da Lei Emergencial Aldir Blanc do município de São Paulo, que viabilizou uma série de ações como a 3ºsinal e a reformulação do site Outra Dança]