Escolher a democracia
A democracia é uma escolha que precisa ser feita e refeita constantemente — no mundo, e também na arte
A democracia é uma coisa complexa. O direito à voz, ao voto, à escolha, ao futuro, dá mais trabalho do que seria gostoso de imaginar. A ideia de democracia faz parte da ideia de política cultural — de sua prática e de sua história. Mesmo quando bem intencionada, nem sempre ela navegou tranquilamente por sua realização. Sua primeira proposta, de “democratização cultural” já patinava um tanto, enxergando o democrático como uma abertura de acesso: mais gente chegando a uma determinada cultura.
O que se percebeu, até que bem rápido, é que não basta determinar o que deve existir e dar acesso a isso pras pessoas. A participatividade, a democracia, dependem de as pessoas poderem de fato escolher o que elas querem que exista. Em matéria de cultura, em matéria de governo, em matéria de futuro.
Não se trata apenas de garantir acesso, mas de garantir possibilidades de existência. Ferramentas de construção. Conhecimento de técnicas. Contato com equipamentos e tecnologias. Formação, conhecimento, investimento, validação. As possibilidades de inventar seus próprios meios dentro da cultura e da arte.
Democracia é, de fato, uma coisa plural. Lida com o ‘muitos’, lida com o ‘todos’. Mas também lida com os muitos modos de fazer, de querer, de frequentar, de desejar. Os muitos caminhos de interesse, as muitas possibilidades de manifestação. “Qual a dança que te interessa?” — é uma pergunta democrática. A dança não precisa te interessar toda. Garantir que essa dança possa existir já é uma dificuldade. Mas garantir que essas danças possam existir é uma disputa democrática.
Como temos respostas diferentes pra que dança interessa, não existe nenhuma possibilidade democrática de que seja justo garantir a existência de um só tipo de dança. Um só grupo, um só artista, um só espaço. Democracia é coisa do múltiplo. Democracia exige que existam opiniões, preferências, gostos, e predileções diferentes das minhas. Democracia está no espaço do dissenso.
Mas, acima de tudo, democracia exige que não exista opressão. Que a voz de um, a preferência de um, não se torne um entrave na existência da preferência, da voz, e da expressão de um outro. E isso importa também em matéria de dança.
Frequentar a extensa programação de dança em São Paulo abre um olhar sobre a nossa diversidade. Assim como frequentar a extensão da própria cidade também abre esse olhar. Mesmo lugar, mesmas pessoas, às vezes mesmas ideias. O mesmo tem conforto, mas não tem diversidade. E sem diversidade não tem progresso. Sem diversidade não tem democracia.
Em época de eleições, não dá pra não pensar no peso das escolhas. Essas essenciais, que a gente faz na urna de tempos em tempos, e essas mais eventuais que a gente faz todos os dias. Questões dos nossos caminhos, questões das nossas vivências. Qual a dança que você escolhe alimentar? Qual a arte que você escolhe assistir? Quais os artistas que você escolhe conhecer? Quais os espaços que você escolhe frequentar? Quais as políticas que você escolhe pra representar os seus desejos? Qual o futuro que você espera construir com as suas escolhas? Como escolher e defender a democracia?