Quebra-Nozes
‘O Quebra-Nozes’ faz parte das suas tradições de Natal?
O famoso balé de Natal O Quebra Nozes não foi sempre um sucesso. Depois de uma estreia morna na temporada de 1892 do Teatro Mariinsky, na Rússia, com crítico dizendo que ele era um insulto aos Teatros Imperiais, e outro dizendo que ele nem poderia ser chamado de balé, o Quebra saiu de repertório, depois foi retomado e transformado diversas vezes, até uma famosa remontagem para o Royal em 1934, uma chegada aos EUA em 1944, e uma versão com transmissão na TV estadunidense em 1957, que vai desencadear o processo da sua hiper-popularização, e transformação em tradição natalina.
Aqui no Brasil, o Quebra de Dalal Achcar no Rio de Janeiro, criado em 1974, teve uma versão internacionalmente premiada pela revista Newsweek. Em 1983, a Cisne Negro fez a primeira de suas montagens anuais de Quebra, que acabou de celebrar 39 edições. Pra ter uma ideia do tamanho da popularidade desse balé, no mesmo ano da versão da Cisne, a revista Ballet News contabilizou mais de mil companhias dançando versões de Quebra Nozes nos EUA. E este ano tivemos a estreia da versão de Márcia Haydée para a São Paulo Companhia de Dança.
A tradição parece tão grande e tão impactante, que é difícil pensar nesse início pouco empolgado. O Quebra original vinha de uma onda de sucesso: na temporada de 1890 tinha estreado A Bela Adormecida, de Petipa e Tchaikovsky, que foi um marco. O Quebra veio como uma proposta de repetir a receita, mas lhe faltavam alguns ingredientes, substituídos por um excesso de doces. Tchaikovsky já não gostava tanto do assunto do balé, e o libreto — a história dele — tem grandes problemas, até hoje: falta ação, e falta dramaturgia pra entendermos o que acontece.
Pra saber porque o Rei dos Ratos tem uma disputa com o Quebra, e porque ele aparece pra atormentar Clara, a gente precisa olhar não pra história do balé, mas pra história do conto que foi adaptada em balé. Petipa e Tchaikovsky usam a versão francesa de um conto alemão, que conta a história da noite de natal e da chegada do Rei dos Ratos, mas, sobretudo, conta como o Quebra Nozes era vitima de um feitiço, uma maldição que não era direcionada a ele, mas a uma princesa. O Quebra era só um menino tentando salvar a princesa Pirlipat. No final do ritual para a cura da princesa, ele pisa e mata a Rainha dos Ratos, e na bagunça do ritual quebrado, a maldição recai sobre ele, que fica desfigurado.
Mesmo confuso, o Quebra em balé demorou, mas caiu no gosto. É uma coisa de tradição. Não pegou de imediato, mas rendeu. Rende até hoje. É extremamente variado, e cada um faz de um jeito. Nesse sentido, também é como tradição: cada lugar tem as suas, e cada família tem as suas variações. A gente se sente tão próximo das nossas, que é difícil imaginar que existem outras possibilidades, mas, acredite: elas existem.
Não é uma questão de fidelidade histórica, é uma questão de continuidade. Continuar fazendo — não a mesma coisa, mas aquilo que dá um sentido ao tempo passando. Com mais um Quebra oficial na cidade, e junto da quantidade enorme de outras montagens que estão e estiveram em cartaz esse ano, o Quebra vai aumentando sua presença.
É uma tradição de origem importada — mas o balé também é, a TV também é, até arroz (com ou sem uva-passa) é. Aquilo que só pode ser nosso mesmo é o desejo dessa continuidade. E Natal é bem a época de pensar naquilo que queremos que continue, naquilo que queremos por perto (balé e Quebra Nozes, inclusive). Feliz Natal!