A Virada Cultural ainda vale a pena pra dança?
A Virada Cultural desse ano foi um tanto caótica: em segurança, em programação e em comunicação. Assistir dança pode ser um desafio
Sempre existiram alguns desafios pra assistir dança. O lugar, o caminho, o horário, o tipo de trabalho. Frequentemente alguma coisa não nos serve, não nos convém, ou dificulta os planos. Mas um desafio que é cada vez mais absurdo de ainda existir é a dificuldade de informação.
Quando você segue as redes de uma companhia, por exemplo, você pode ter acesso às informações específicas de quando e o que eles dançam. Tem sempre os riscos do algoritmo não te mostrar especificamente isso, mas tá lá. Existe algum lugar onde você pode ativamente buscar uma certa informação, se você tiver um outro tanto de informação básica prévia.
A maior dificuldade é quando você não tem nenhuma informação básica prévia. A diferença entre “eu quero saber quando essa companhia que eu gosto dança” e “eu quero saber o que tem de dança pra ver” é imensa. Sem informação básica organizada e amplamente divulgada, a gente perde a chance de fazer a dança chegar pra pessoas novas. O risco do nicho, do gueto, é fechar os acessos.
Algo assim aconteceu mês passado, com a programação da Virada Cultural. Em princípio, a divulgação não separava nem o tipo de programação. Depois, a alguns dias do evento, o site ofereceu a possibilidade de busca, e conseguíamos pedir pra ver, por exemplo, qual seria a programação de dança. Porém, as informações da programação estavam reduzidas ao título das apresentações e local.
Esse ano, a dança na Virada serviu pra contar número. Pra dizer que a dança estava presente, e pra somar no total de eventos programados. Há uma década, a lógica da Virada com palcos temáticos foi o que me seduziu pro evento. Ir pra Luz e ficar entre os palcos de dança e orquestra, ver o Cena 11 às 3h da manhã, ver o sol nascer com a Jazz Sinfônica, ver a OSESP com a SPCD no encerramento do evento… Era o tipo de coisa que realmente me fazia pensar em virar.
Com a programação desse ano, a lógica do “o que eu quero ver?” rapidamente deu lugar pra “o que é isso?” — um título, sem indicação do grupo, e nenhuma informação da obra dificilmente é algo atrativo. Também, o evento descentralizado pediu escolhas mais drásticas, porque a distância entre as programações, frequentemente nos mesmos horários, deixava impossível acompanhar o pouco de dança disponível.
Se existe grande valor em pensar estratégias pra espalhar os eventos pelas muitas regiões dessa cidade tão grande, também é preciso pensar como isso atende as pessoas das diversas regiões. Jogar uma programação de dança em um centro cultural distante dos palcos que claramente são os principais do evento — porque concentram a programação — não basta como democratização.
A proporção do evento também tem assustado em questões de organização e, notavelmente esse ano, de segurança. A impressão que me fica é que a proposta original talvez não seja mais sustentável. A pergunta que insiste pra secretaria é: como projetar um grande evento de acessibilidade à cultura e à arte, que não seja só “grande evento”, mas seja também de fato “de acessibilidade”, e que seja de fato sobre cultura e arte. Só os números não convencem, acesso demanda mais planejamento, e muito mais informação.